─ Perdi minha mãe... – Os minutos passavam e ele não se afastara, continuava ali naquele silêncio respeitoso, olhando para os pés.
─ Eu sinto muito... – Lamentou com sinceridade. – Eu não queria que você ficasse triste...
─ Oh! Não. – Sorriu por entre as lágrimas. – Não pense assim. Era justamente o que eu precisava. Eu estava anestesiada. Assistindo minha vida passar. Como num filme. Um filme mudo.
─ A trilha sonora faz muita diferença... – Estava sorrindo também, visivelmente satisfeito com a resposta. – Prazer, Rodrigo. – Ofereceu a mão em cumprimento.
─ Prazer, Bárbara. – Apertou a mão dele com força. – Obrigada pela música.
Mal sabia que a música fora realmente inspirada por ela.
─ Posso te ajudar em mais alguma coisa? – Rodrigo se levantou. Em outra situação, Bárbara teria reparado nas covinhas francas do seu rosto ou nos belos dentes enfileirados. Naquele dia pensara apenas em como ele era alto.
─ Acho que não... Obrigada. – Ela estava vermelha e inchada de tanto chorar. Rodrigo guardaria a sensação de encanto que Bárbara provocara nele mesmo assim para sempre. Teve ali uma de suas primeiras epifanias na vida. Talvez amar fosse isso, encantar-se com o outro mesmo nas horas mais difíceis. – Estou com uma excursão. Preciso voltar.
─ Posso te acompanhar? – Disse sem pensar.
─ Acho que sim... – Ela levantou os ombros sem entender para quê tanta solicitude. Não se deu ao trabalho de ter medo. Não havia o que temer. Estavam num lugar público.
─ Como era o nome dela? – Perguntou assim que começaram a cruzar a ponte no caminho de volta. – Da sua mãe?
─ Rosa... – Respondeu sem jeito. Até dizer o nome dela lhe doía. Era sofrido e ao mesmo tempo libertador. No fundo, sabia que aquela dor tinha cura, já a apatia não. Poderia passar milênios sem a capacidade de sentir.
─ É um bonito nome. – Caminharam em silêncio.
O sol derramava seus derradeiros raios sobre aquela parte do planeta. De repente, o frio chegou. Bárbara fechou os botões do seu casaco e ajeitou o cachecol em torno do rosto. Rodrigo colocou as mãos nos bolsos.
Os casais por ali continuavam aos beijos. Bárbara passava a mão pelos cadeados ainda tentando captar com outros sentidos os sentimentos contidos naquelas peças. Era como prender um instante. Reter uma emoção. Eternizar não o amor, mas o momento.
Achava aquilo lindo. Rodrigo a observava calado. Também sentia algo, ela podia ver.
─ Preciso ir... Está na minha hora. – Avistou de longe o ônibus da escola.
─ Espere só mais um pouco. Por favor... – Disse enquanto procurava por algo. – Aqui. Só mais um instante. Juro. – Bárbara não ousou desobedecer.
O rapaz correu até uma das barraquinhas. Ela não conseguia ver o que ele estava fazendo. Estava impaciente. E com medo de se atrasar e perder a carona. Mas então Rodrigo voltou com um cadeado. O cadeado mais especial de todos.
Gravados na peça, estavam um B e um R.
Bárbara franziu as sobrancelhas. Será que aquele cara maluco queria uma ceninha romântica com uma desconhecida numa tarde de outono em Paris? Nada a ver.
─ Bárbara e Rosa. – Ele fez questão de explicar. – Essa ponte é testemunha de tantos amores vazios eternizados nesses cadeados... Acho que ela merece receber uma dose de amor eteno de vez em quando. Você não acha?
Rodrigo colocou o cadeado na palma da mão de Bárbara. Ela o segurou como quem segura um delicado cristal. Olhou para aquele objeto com carinho. Era como ver um pedaço do sentimento que carregava dentro de si. Então olhou para Rodrigo e seu coração se encheu de gratidão. Não conteve as lágrimas novamente, mesmo que agora elas molhassem um sorriso.
Muitos anos depois, ainda pensaria naquele rapaz. O anjo que o acaso colocara no seu caminho. Embora que, muitos anos depois, ela tenha deixado de acreditar no acaso.
─ Dizem que alguns objetos têm alma... – Rodrigo falou verbalizando o pensamento de Bárbara. – Penso que você vai se sentir melhor se eternizar essa emoção tão bonita dentro de um deles...
─ Cara, você é mágico ou doido? – Como ele podia saber daquelas coisas? Sorriu. Ele ficou desconfiado. Bárbara o abraçou. – Obrigada. Nem sei como agradecer...
Aquele abraço já era uma grande retribuição.
Bárbara escolheu um cantinho especial na grade e prendeu seu cadeado. Ficou olhando para as iniciais dela e da mãe. Eternizadas. Aquilo foi imensamente satisfatório.
─ As pessoas jogam a chave no rio... – Rodrigo explicou.
─ Prefiro guardá-la comigo. – Apertou a chave na mão com muita força. – Uma lembrança desse dia mágico. – Rodrigo sorriu sem jeito. Fora mágico para ele também.
Estava na hora. Precisava ir. Rodrigo viu a aflição dela.
─ Acho que é bom você correr... – Disse.
─ Também acho... – As pessoas ao longe já faziam fila para entrar no ônibus. A professora deveria estar maluca procurando por ela. Sem pensar muito, Bárbara ficou na ponta dos pés para beijar o rosto de Rodrigo. Ele não esperava. E com o movimento brusco acabou virando na mesma hora.
Os lábios dos dois se encontraram por um instante.
Foi mágico.
Foi doido.
Bárbara arregalou os olhos sem entender aquilo.
Rodrigo simplesmente deixou a adrenalina correr pelo corpo.
─ Obrigada... – Ela disse num sussurro. Vermelha e sem graça. Colocando as mãos sobre os lábios.
Nem que ele quisesse encontraria palavras para dizer... Apenas sentiu.
Ela também. Tentou eternizar mais aquele momento.
Olharam-se.
Babi não teve outra escolha. Correu em direção ao ônibus.
Absolutamente certa de que recuperara a capacidade de sentir.
Tudo.
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A Bela Da Tarde
Short StoryBárbara enfrentava uma grande perda. Rodrigo convivia com a falta de muitas coisas. Ambos não sabiam ao certo exatamente quem deveriam ser. Foi quando se encontraram. E isso mudou tudo.