4. Cadeados

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─ Perdi minha mãe... – Os minutos passavam e ele não se afastara, continuava ali naquele silêncio respeitoso, olhando para os pés.

─ Eu sinto muito... – Lamentou com sinceridade. – Eu não queria que você ficasse triste...

─ Oh! Não. – Sorriu por entre as lágrimas. – Não pense assim. Era justamente o que eu precisava. Eu estava anestesiada. Assistindo minha vida passar. Como num filme. Um filme mudo.

─ A trilha sonora faz muita diferença... – Estava sorrindo também, visivelmente satisfeito com a resposta. – Prazer, Rodrigo. – Ofereceu a mão em cumprimento.

─ Prazer, Bárbara. – Apertou a mão dele com força. – Obrigada pela música.

Mal sabia que a música fora realmente inspirada por ela.

─ Posso te ajudar em mais alguma coisa? – Rodrigo se levantou. Em outra situação, Bárbara teria reparado nas covinhas francas do seu rosto ou nos belos dentes enfileirados. Naquele dia pensara apenas em como ele era alto.

─ Acho que não... Obrigada. – Ela estava vermelha e inchada de tanto chorar. Rodrigo guardaria a sensação de encanto que Bárbara provocara nele mesmo assim para sempre. Teve ali uma de suas primeiras epifanias na vida. Talvez amar fosse isso, encantar-se com o outro mesmo nas horas mais difíceis. – Estou com uma excursão. Preciso voltar.

─ Posso te acompanhar? – Disse sem pensar.

─ Acho que sim... – Ela levantou os ombros sem entender para quê tanta solicitude. Não se deu ao trabalho de ter medo. Não havia o que temer. Estavam num lugar público.

─ Como era o nome dela? – Perguntou assim que começaram a cruzar a ponte no caminho de volta. – Da sua mãe?

─ Rosa... – Respondeu sem jeito. Até dizer o nome dela lhe doía. Era sofrido e ao mesmo tempo libertador. No fundo, sabia que aquela dor tinha cura, já a apatia não. Poderia passar milênios sem a capacidade de sentir.

─ É um bonito nome. – Caminharam em silêncio.

O sol derramava seus derradeiros raios sobre aquela parte do planeta. De repente, o frio chegou. Bárbara fechou os botões do seu casaco e ajeitou o cachecol em torno do rosto. Rodrigo colocou as mãos nos bolsos.

Os casais por ali continuavam aos beijos. Bárbara passava a mão pelos cadeados ainda tentando captar com outros sentidos os sentimentos contidos naquelas peças. Era como prender um instante. Reter uma emoção. Eternizar não o amor, mas o momento.

Achava aquilo lindo. Rodrigo a observava calado. Também sentia algo, ela podia ver.

─ Preciso ir... Está na minha hora. – Avistou de longe o ônibus da escola.

─ Espere só mais um pouco. Por favor... – Disse enquanto procurava por algo. – Aqui. Só mais um instante. Juro. – Bárbara não ousou desobedecer.

O rapaz correu até uma das barraquinhas. Ela não conseguia ver o que ele estava fazendo. Estava impaciente. E com medo de se atrasar e perder a carona. Mas então Rodrigo voltou com um cadeado. O cadeado mais especial de todos.

Gravados na peça, estavam um B e um R.

Bárbara franziu as sobrancelhas. Será que aquele cara maluco queria uma ceninha romântica com uma desconhecida numa tarde de outono em Paris? Nada a ver.

─ Bárbara e Rosa. – Ele fez questão de explicar. – Essa ponte é testemunha de tantos amores vazios eternizados nesses cadeados... Acho que ela merece receber uma dose de amor eteno de vez em quando. Você não acha?

Rodrigo colocou o cadeado na palma da mão de Bárbara. Ela o segurou como quem segura um delicado cristal. Olhou para aquele objeto com carinho. Era como ver um pedaço do sentimento que carregava dentro de si. Então olhou para Rodrigo e seu coração se encheu de gratidão. Não conteve as lágrimas novamente, mesmo que agora elas molhassem um sorriso.

Muitos anos depois, ainda pensaria naquele rapaz. O anjo que o acaso colocara no seu caminho. Embora que, muitos anos depois, ela tenha deixado de acreditar no acaso.

─ Dizem que alguns objetos têm alma... – Rodrigo falou verbalizando o pensamento de Bárbara. – Penso que você vai se sentir melhor se eternizar essa emoção tão bonita dentro de um deles...

─ Cara, você é mágico ou doido? – Como ele podia saber daquelas coisas? Sorriu. Ele ficou desconfiado. Bárbara o abraçou. – Obrigada. Nem sei como agradecer...

Aquele abraço já era uma grande retribuição.

Bárbara escolheu um cantinho especial na grade e prendeu seu cadeado. Ficou olhando para as iniciais dela e da mãe. Eternizadas. Aquilo foi imensamente satisfatório.

─ As pessoas jogam a chave no rio... – Rodrigo explicou.

─ Prefiro guardá-la comigo. – Apertou a chave na mão com muita força. – Uma lembrança desse dia mágico. – Rodrigo sorriu sem jeito. Fora mágico para ele também.

Estava na hora. Precisava ir. Rodrigo viu a aflição dela.

─ Acho que é bom você correr... – Disse.

─ Também acho... – As pessoas ao longe já faziam fila para entrar no ônibus. A professora deveria estar maluca procurando por ela. Sem pensar muito, Bárbara ficou na ponta dos pés para beijar o rosto de Rodrigo. Ele não esperava. E com o movimento brusco acabou virando na mesma hora.

Os lábios dos dois se encontraram por um instante.

Foi mágico.

Foi doido.

Bárbara arregalou os olhos sem entender aquilo.

Rodrigo simplesmente deixou a adrenalina correr pelo corpo.

─ Obrigada... – Ela disse num sussurro. Vermelha e sem graça. Colocando as mãos sobre os lábios.

Nem que ele quisesse encontraria palavras para dizer... Apenas sentiu.

Ela também. Tentou eternizar mais aquele momento.

Olharam-se.

Babi não teve outra escolha. Correu em direção ao ônibus.

Absolutamente certa de que recuperara a capacidade de sentir.

Tudo.

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⏰ Última atualização: Jan 31, 2018 ⏰

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