2. Quando você passa

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Ele não passava de um moleque, mas, na França, todos acreditam que, aos dezoito anos, deveria ser um homem feito. Seus colegas de curso falavam de emprego e sobre os pequenos perrengues de se morar sozinho numa cidade cara como Paris. Rodrigo se sentia como um peixe fora d'água na maior parte das vezes.

Criado debaixo das asas protetoras de uma tradicional família carioca, o rapaz não compreendia o sentimento dos seus colegas franceses. E nem tinha culpa pelo doutorado da mãe. Estavam ali há três anos, mas nem por isso conseguira se adaptar completamente. Terminara o lyceé. Aceitara fazer o curso técnico introdutório em odontologia. Entretanto, não viveria na França pelo resto da vida de jeito nenhum.

Sentia falta da praia. Do calor. Do sotaque. Da comida. De tudo. Principalmente, da música. Naquele dia, cansado de ver bocas escancaradas na sua frente, pegou seu violão e seguiu meio sem rumo. Aproveitando a juventude. E o fato de que só se é jovem uma vez.

Não costumava andar por aquele lado da cidade. Porém, hoje não queria encontrar ninguém conhecido. Queria sentar e cantar suas músicas em paz. Sentir saudade de casa. Sem choro nem lamentação. Afinal, sua situação não era definitiva, não precisava de drama, nem era disso. Porém, havia dias em que a brasilidade apertava mais que em outros. E tudo que ele mais queria era botar essa sensação para fora. Depois aguentaria mais algumas semanas de bocas escancaradas de boa.

E assim ia levando o tempo que restava até a mãe defender a bendita tese.

Acabou chegando a uma parte bem turística de Paris. O que era ótimo, pois os únicos franceses que frequentavam aqueles lugares estavam lá porque estavam trabalhando. E Deus sabe o quanto eles detestavam esse tipo de emprego.

Rodrigo aprendera da maneira mais desagradável possível o quanto o parisiense não gosta de estrangeiros. Aliás, o quanto o francês médio detesta o mundo todo. Apesar de Paris ser a cidade que mais atrai turistas, seus habitantes não suportam recebê-los. Esquecem a gentileza, implicam com o idioma, espalham aos quatro ventos que les étrangers não são dignos do que eles chamam de estilo francês.

Uma lista interminável de baboseira e preconceito. Principalmente com os americanos.

Tanto purismo não os leva exatamente para canto nenhum. Enquanto eles reclamam do mundo e exaltam seus vinhos, os argelinos, os mulçumanos de todas as nações e os imigrantes de forma geral tomam conta da cidade.

Rodrigo não era tolo o suficiente para não encontrar qualidades naquela gente. Sua mãe o ensinara desde cedo sobre cultura. O bastante para que ele exercitasse o senso crítico e não se deixasse levar por qualquer complexo de vira-lata. Na escola, o futebol e o bom-humor o mantiveram em segurança. Não sofreu mais do que o necessário.

Gostava da comida e da efervescência artística. O francês esquecia facilmente o preconceito quando o assunto era arte. E dos serviços públicos que funcionavam, é claro. Principalmente, gostava dessa sensação coletiva de cidadania. Levaria isso para a vida toda. Assim como o envolvimento com a política. Era difícil encontrar um francês alienado. E Rodrigo também admirava essa característica.

Porém, detestava o cigarro. Detestava o hábito de abandonar os animais domésticos no verão. E jamais se acostumaria com a parca rotina semanal de banhos.

Sentou num banquinho perto da entrada da Pont des Arts. Como sempre, havia bastante movimento por ali. Gente vendendo cadeados para os casais apaixonados. A felicidade no rosto das pessoas o inspirava. Tirou o violão da capa e começou a tocar.

A primeira música escolhida foi Quando você passa de Sandy e Junior. Uma melodia que fazia muito sucesso quando ele deixara o Brasil. Além disso, adorava as batidinhas no violão imitando o som do coração.

Rodrigo não chegava a cantar a música. Apenas cantarolava. Mais para si mesmo do que para as pessoas que nem paravam para reparar nele.

Eu desisto de entender/ É um sinal que estamos vivos/ Pra esse amor que vai crescer/ Não há lógica nos livros/ E quem poderá prever/ Um romance imprevisível...

Duas garotas bonitas passaram por ele sorrindo. Talvez estivesse gostando do que ouviam. Ainda que não entendessem. Rodrigo sorriu de volta e as seguiu com o olhar. Foi quando elas deram as mãos e ele se deu conta de que formavam mais um dos casais apaixonados indo em direção à ponte.

Não se deu ao trabalho de se envergonhar pela paquera, apenas continuou a cantarolar enquanto observava as duas travarem o cadeado e jogarem a chave no rio. Foi quando ele a notou. Bem no meio do caminho. Agachada. Lendo as iniciais nos cadeados com muito interesse. Como se conseguisse tirar daquelas letras gravadas com pressa algum segredo escondido.

Rodrigo a observou com cuidado. E não conseguiu mais tirar os olhos de cima dela. Sem perceber, começara a tocar outra música.

A Bela Da TardeOnde histórias criam vida. Descubra agora