A Chuva

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Daniel estava em sua casa, sozinho. Eram 17:00 horas e sua mãe, seu pai e sua irmã estavam ainda trabalhando. Após lavar a louça e tomar um bom banho, ele não tinha mais nada pra fazer. Foi até seu quarto, no segundo andar de sua casa, e pegou um livro de contos de terror de vários autores.

O céu estava cinza e era possível ouvir o uivo do vento graças as janelas abertas. Ele estava ainda nos primeiros parágrafos de "O poço e o pêndulo" do grande Poe quando começou uma chuva bem fraca, o tipo de chuva que é ótima de se dormir ouvindo. Não durou muito. No tempo em que Daniel leu duas linhas a chuva engrossou consideravelmente. Daniel teve que fechar a janela sobre a qual estava deitado no sofá lendo para não molhar seu livro. A chuva não parava de engrossar. Leu uns 3 parágrafos até perceber que só a janela sobre a qual estava lendo estava fechada, e então apressadamente largou o livro para fechar as restantes.

Enquanto subia a escada para o segundo andar, sua cachorra tentava acompanha-lo, provavelmente porque estava com medo dos trovões ensurdecedores e dos relâmpagos que clareavam até as partes mais escuras da casa. Chegando ao segundo andar, Daniel viu a cortina do corredor balançando muito devido ao vento extremamente forte que entrava pela janela do corredor, que ficava atrás da cortina. Enquanto Daniel tentava segurar a cortina para fechar a janela, olhou um instante para fora. O céu estava coberto por nuvens, e quase tudo estava branco. A chuva estava forte o suficiente para deixar um pouco difícil enxergar as casas do outro lado da rua. Depois de fechar a janela do corredor, fechou a do seu quarto, e foi depois ao quarto de sua mãe.

No quarto de sua mãe havia um guarda-roupa de frente pra janela, e nas portas centrais desse guarda-roupa havia dois espelhos grandes. Daniel com certa dificuldade puxou a cortina daquela janela para dentro e fechou-a. Ao se virar para ir pros quartos do andar de baixo notou algo no espelho. Na janela refletida no espelho algo estava errado. Ele olhou então para fora de novo. Estava escuro devido as grandes nuvens cinzas que cobriam o céu e devido o horário , mas ainda era dia. Olhou então para a janela refletida no espelho. Naquele reflexo era noite.

Após alguns minutos olhando aquele espelho, Daniel ouviu o barulho de alguém correndo na água. O mesmo barulho de quando se pisa em uma possa d'água, mas parecia de alguém que andava com muita pressa. Foram pelo menos sete passos. O barulho veio do andar de baixo, oque o fez lembrar-se das janelas de lá. Mas agora estava com medo. Estava quase paralisado depois do que ouviu.
Enquanto descia lentamente as escadas viu sua cachorra no pé da escada, encarando-o, com olhar fixo. Pensou então que o barulho que ouviu devia ser coisa de sua cabeça. Afinal, se fosse realmente uma pessoa, sua cachorra teria latido como nunca. Quando terminou de descer as escadas foi até um quarto que tinha no primeiro andar, e surpreendeu-se. Pensou então que deveria ter fechado o primeiro andar antes do segundo. O quarto estava encharcado. Pelo menos uns dois centímetros de água estava em todo o quarto. Lembrou-se do barulho de passos na água. Disse a si mesmo que era coisa de sua cabeça. Teve que repetir em voz baixa várias vezes até convencer-se disso.
Andou por cima da cama que havia naquele quarto e fechou a janela. Ao passar pela porta do banheiro que havia naquele quarto, ouviu um som vindo da privada. Não um som de descarga, ouviu um som igual ao som que os filtros de plástico fazem quando se enche o copo. Parou quando ouviu, e então o som repetiu-se. Entrou no banheiro e acendeu a luz para ver oque era. Quando fez isso não houve mais nenhum som. Ficou olhando a privada por alguns minutos e nada. Ao sair do banheiro apagou a luz, e o som repetiu-se. Daniel pensou que pudesse ser alguma coisa normal e saiu do quarto, depois resolveria o problema da água.

Ao fechar a janela da sala, que dava vista para o terreiro, viu que havia um rato no prato de ração de sua cachorra. Fechou a janela da sala e pensou um pouco se deveria ir trocar a ração naquela chuva. Resolveu que iria, afinal não sabia ao certo que doença ela poderia pegar se comesse aquela ração. Mesmo ela estando dentro da casa, resolveu que iria agora, pois se deixasse para depois poderia se esquecer.
Agora já estava escurecendo. Saiu no terreiro tendo que cobrir os olhos com a mão para não entrar água. Quando se aproximou mais, o rato saiu correndo, de certa forma Daniel sentiu um pouco de pena do pobre rato que só estava buscando abrigo em baixo da cobertura de telhas onde ficava sua cachorra e aproveitou para comer um pouco. Assim que o rato correu, a cachorra que acompanhava Daniel aonde ele ia, pegou-o com grande velocidade.

Daniel pegou o prato de ração e também a vasilha de água, para trocar ambos. Enquanto esfregava o prato, ele olhava sua cachorra ainda brincando com o rato, sem saber que estava o matando. Ele sentiu um pouco de pena do rato, mas era só a natureza agindo, e, além disso, rato não é exatamente o tipo de animal para se sentir pena. Quando colocava de volta a vasilha de água, um raio cruzou o céu, clareando a casa toda, e em seguida um trovão que fez Daniel deixar a vasilha tombar um pouco e derramar um pouco da água. Depois voltou para dentro e deitou-se.

Já eram 19:00 horas e seus pais nem sua irmã haviam chegado. Provavelmente uma árvore devia ter caído e bloqueado o caminho, ou eles haviam parado para esperar a chuva parar, porque parecia realmente muito difícil dirigir naquela chuva.

O raio que Daniel vira mais cedo cruzando o céu devia ter acertado algum poste, pois sua casa e a de seus vizinhos estavam sem energia. Ele sentia certo medo agora. As únicas coisas que iluminavam a casa agora era a vela que Daniel acendera, mas que só iluminava os lugares em que ele a levava, e os relâmpagos que iluminavam toda a casa. Deitado com sua cachorra no sofá, Daniel dormiu vendo sua casa se iluminando com os relâmpagos, de uma maneira impressionante e até assustadora.

Acordou com sua cachorra latindo. Latindo para o nada. Para o escuro, pra ser mais exato. Daniel não conseguia ver nada, pois sua vela havia se apagado. Os relâmpagos agora demoravam um pouco mais a vir, mas o vento estava mais forte e fazia coisas lá fora caírem fazendo um enorme barulho. O barulho das árvores lá fora, das coisas que às vezes caiam e da sua cachorra latindo assustavam muito Daniel. Ou melhor, amedrontava-o muito. Sentia agora um medo paralisante. Mal conseguia mexer seu celular aceso para os lados, que de qualquer forma não iluminava mais que três metros à sua frente.

Daniel estava agora rezando. Veio um relâmpago e a casa toda se iluminou. Havia uma pessoa ali na cozinha, que era pra onde sua cachorra latia. Uma pessoa comendo carne crua. Comendo como um troglodita, sujando todo o chão e a boca. Outro raio, e essa pessoa agora estava olhando para a cachorra. Em meio à escuridão ouviu-se um grito agudo altíssimo, logo depois Daniel ouviu sua cachorra sair correndo. Veio outro raio e quem quer que estivesse ali, estava agora em pé, em frente a porta que separava a cozinha da sala, e encarava Daniel de forma assustadora, com seus olhos que tinham íris de um vermelho nítido, e sua boca completamente suja de sangue, suas mãos com as unhas muito grandes e um tanto afiadas, que ainda tinham pedaços de carne agarradas.

A casa estava agora em total escuridão. Daniel sentiu algo passando como uma faca em seu braço, cortando-o. Quase por reflexo, deu um murro naquilo que o machucava, e no mesmo instante veio um raio que clareou toda a casa, e ele sentiu aquilo passar rapidamente em seu pescoço.

Pra ele não foi exatamente rápido. Muito pelo contrario. Pra ele, foi extremamente lento, parecia que no mesmo instante em que aquilo encostou em seu pescoço o mundo ficou em câmera lenta. Ele sentiu aquilo muito devagar. Sentiu sua pele sendo lentamente perfurada e seus músculos sendo lentamente rasgados. Quando o relâmpago clareou a casa, via aquela pessoa que antes estava na cozinha, em sua frente, e aquilo que o matava lentamente era apenas a unha daquela coisa. Daniel sentia seu pescoço sendo aberto, sentia lentamente epiderme, derme e hipoderme sendo perfuradas, sentia suas veias e artérias sendo cortadas, e o sangue encharcando sua roupa, sentia tudo isso como se aquela unha fosse uma faca flamejante, queimando e rasgando tudo em seu caminho como uma tesoura rasga uma folha de papel. Enquanto sentia isso tudo, Daniel via aquele rosto sorridente encarando-o, via aqueles dentes levemente afiados em um enorme sorriso, todos sujos com sangue que chegava a escorrer dos lábios daquela coisa, via aqueles olhos encarando-o fixamente, via aquela esclerótica branca como papel e aquelas íris vermelhas quase brilhantes, via aquela pupila quase como um ponto preto em meio á vermelhidão, naquele rosto quase azul claro. Essa foi a última coisa que ele viu.

"Ou morre como um herói, ou vive o bastante para se tornar um  vilão"

"Ou morre como um herói, ou vive o bastante para se tornar um  vilão"

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1001 Contos de TerrorWhere stories live. Discover now