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— Ah, um temporal vai desabar — exprimiu a garota, muito taciturna, por trás da janela de vidro embaçado do chalé que caía aos pedaços.

Ela nunca saiu do chalé.

Violet observava a chuva que caía sobre o mundo cinzento. Com os dedos magros e finos, traçava linhas na vidraça, seguindo as gotas de água. Aquele era apenas mais um dia melancólico em sua vida.

Seus dias eram soturnos.

Suas noites eram aspiradas por uma grande tristeza.

Ela nunca soube o que houve no mundo, apenas sabia que tudo o que ela conhecia havia acabado, o tempo, a história e até mesmo a humanidade. Talvez, tivesse ocorrido uma grande guerra que devastou o planeta. Ora, os adultos estavam sempre brigando entre si. Violet nunca entendera isto. Como as pessoas, que se diziam tão iguais, podiam guerrilhar, e até mesmo, ceifar vidas? Mas aquilo já não mais importava, porque aquela garota era a única pessoa que havia sobrado no mundo.

Guerras eram eventos atemporais. Aquela era a única certeza que ela tinha.

Era uma adolescente muito pálida, dispunha de curto cabelo ruivo sempre solto e bagunçado, e melancólicos olhos azuis, sempre muito foscos, como se a moça não portasse alma.

Violet não tinha nenhuma lembrança do mundo que havia lá fora, e nem mesmo, lembranças suas. Tão era verdade, que seu nome foi escolhido por ela própria, quando ela leu em um livro a respeito desta palavra e que pertencia à uma bela flor, flor esta que vira apenas em gravuras. Ademais, também descobriu era o nome de uma cor, e ela adotou aquele nome para si.

Afastou-se da janela, andando entediada pelo chalé arruinado. Haviam algumas panelas enferrujadas ao chão que detinham as goteiras que caíam do teto esburacado. Espalhados por todo o lado, haviam livros, plumas e alguns vestidos que já não lhe serviam mais. Era praticamente obrigada a usar o mesmo vestido branco — muito encardido —, de alças finas. Nas paredes do chalé, vários rascunhos feitos com giz de cera preto. Não haviam cores ou alegria em seu lar, e Violet somente desenhava rostos tristes, árvores com galhos secos, nuvens carregadas, e corações partidos.

Sentou-se sobre o carpete puído, atrevendo-se a continuar a construir com um monte de sucata, um amigo para conversar. Um ser de lata que pudesse alegrar sua fatídica vivência, que lhe escutasse, que a fizesse sorrir, ou que lhe abraçasse quando os maus momentos viesse sobre ela. Como se ansiasse possuir dotes artísticos, Violet montou seu pequeno autômato. 

Tinha visto as instruções em um dos livros que leu no chalé. Não era difícil. Colocou um braço feito de cortador de pizza e uma lâmpada sem uso na cabeça dele. Quando ele ficou pronto, Violet suspirou de emoção. Deveria ser a primeira vez que empolgava-se com algo. Seus lábios esticaram-se em um sorriso que logo se desfez quando ela percebeu que seu amiguinho não se mexia.

Aborreceu-se.

Tentou fazer a engenhoca funcionar. Bateu palminhas, incentivou-o com palavras duras, e logo mais, desistiu da ideia. Deixou-o enquanto dirigia-se para o colchão posto sobre algumas tábuas. Mais uma tentativa em ter algo para amar, jogado em uma pilha de lixo.

 Apanhou o urso de pelúcia esfarrapado e apertou-o contra o peito, deixando os riscos molhados contornassem sua face. Mergulhava nas águas profundas e escuras do desespero.

Cobriu-se com o lençol, tentando dormir. Violet suspirou, enquanto duas lágrimas percorreram seu rosto.

Estava cansada de sentir-se tão vazia.

Doce CarmesimOnde histórias criam vida. Descubra agora