Já é um novo dia, o sol tímido e eu cambaleando no meio da rua de tanto sono, decido passar na padaria de um senhor, chamava ele de "seu Paulo", era um lugar simples e os pães eram fresquinhos. Me sentei pra tomar um café com leite e pão assado com a manteiga que a sua esposa preparava.
- Bom dia, Antônio!
- Bom dia, seu Paulo... tudo certo?
- Se melhorar estraga, ta atrasado hoje né? Tome, leve pro trabalho.
Embalou uns bolinhos de laranja junto com umas cocadas numa trouxa e me entregou. Todo mundo sabia que sempre estava atrasado, seja nos pensamentos ou no tempo. Sempre pego o mesmo trajeto pra chegar na biblioteca, dessa vez eu decidi mudar. Peguei um atalho, já que estava atrasado, mas já sabia que não ia dar muito certo. Caminho sempre com os olhos voltados para os meus pés e às vezes eu contemplo o céu, mas só às vezes mesmo porque tenho medo de olhar nos olhos das pessoas e ver o que não quero...
Apressado para chegar no destino, comecei a entrar pelos becos com a intenção de chegar mais rápido, mas me peguei ouvindo um som que a princípio parecia tambor, batuque, não reconheci de primeira, de alguma forma o vento me levava cada vez mais perto e eu sentia mais forte as batidas e cantos, então começo a correr em direção e desvio totalmente do meu trajeto. Finalmente, eu chego onde o som me levou... uma casa simples, com uns objetos de barro na porta e em cima da casa, algumas flores e plantas, uma bandeira branca no telhado e um cheiro de incenso maravilhoso.
- O que será que tem aí dentro? (falei em voz alta)
Na mesma hora uma velha de branco e turbante verde, me vê e pede preu entrar...
"Chegue meu fi, precisa ter medo não... aqui nói samo do bem e tem jesui no coração! Chegue"
Sentei, fiquei quietinho, em silêncio... mas dentro de mim estava uma zuada só! Só conseguia ouvir as batidas do meu coração, meus pensamentos se misturavam com o som do atabaque, eu via aquelas pessoas todas de branco, dançando em círculos e batendo palmas, eu via força nelas, eu via fé, eu via coisas que não existiam em mim ou pelo menos achava que não, talvez estivessem adormecidas.... Comecei a observar o lugar, uma prateleira com imagens de índios, crianças, preto velhos, ciganos... fitas e taças com água espalhadas nesse altar com velas acesas.. eu achei lindo, me lembrei de minha vózinha e do café do preto velho que ela me ensinou a colocar todo dia pela manhã. Eu, particularmente, pensava que o preto velho servia somente para manter a tradição da família...
De repente, as pessoas começam a se debater, a tremer, interromperam meus pensamentos na mesma hora e fiquei assustado, hipnotizado, sem saber o que falar. Era uma manifestação desconhecida para mim. Uma mulher negra se aproxima e me diz:
- Nego, são os caboclos! Eles vem na força de Oxóssi... são muito fortes!
- Bem interessante, achei lindo. É normal eu sentir vontade de chorar aqui?
- É sim, nego! (risos)
Fiquei até o fim daquela reunião, embora confuso com tanta informação, percebi que estava atrasado pro trabalho e que iria levar uma bronca, como sempre... Me levantei apressado e antes que eu cruzasse a porta, fui convidado pela mãe de santo da casa a vir novamente e que eu era muito bem vindo lá. Me despedi de todos e me abençoaram com "Vai na paz de deus e oxalá!" Pensei comigo mesmo: "Vou precisar, não quero ser demitido!"
Corri o mais rápido que pude para chegar na biblioteca pra fazer turno extra e trabalhar o dobro pra compensar. Comecei a limpar os livros e organizá-los em ordem alfabética, por incrível que pareça eu estava na sessão de religião, tinha diversos autores católicos, mas poucos sobre religiões de matriz africana. Não me contive e peguei 3 livros de "macumba" escondido pra levar pra casa, não conseguia parar de pensar no terreiro que tinha ido logo cedo, as imagens das pessoas com aquele tipo de manifestação espiritual chamaram minha atenção e eu queria aprender... Fiquei tão entendiado limpando os livros, devido a dose de adrenalina e êxtase que estava que comecei a ler lá mesmo, já que não tinha ninguém na biblioteca. Comecei com um livrinho pequeninho e velho falando sobre os Orixás, descobri que eles são apenas fagulhas de Deus, era o sol, a chuva, a mata, os rios, o arco íris... continuei lendo e olhando para os lados, caso meu chefe aparecesse e dentro de mim aquela torcida para encerrar o turno e ir pra casa.
Entrou um homem muito bem vestido na livraria, estava de terno, bem alinhado e ele era bem apresentável, formoso, sapatos que brilhavam até no escuro... não tinha ninguém para atendê-lo, continuei limpando, já que eu só precisava fazer isso... Fingi que nem tinha visto ele. Então, ele entra na ala que eu estava limpando, me olhava de cima pra baixo e disse que precisava de ajuda.
- Moço, o que você faz aqui?
- Eu trabalho aqui, eu limpo, organizo os livros...
- Você gosta de ler? O que te chama atenção aqui?
- Eu gosto de ler poesias e eu gosto daqui porque é silencioso. Consigo ouvir meus pensamentos também...
Ele riu e disse:
- Eu também escuto pensamentos...
Se virou e foi embora, fiquei sem entender... e soltei um " Gente louca por aqui..." E escutei alguém rindo no meu ouvido, assustei e quase caí da escada. Decidi ir pra casa....
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Amanheceu
AcakEssa obra amadora mostra a vida de um jovem que busca a compreensão da existência através da fé e das atitudes humanas. Uma paradoxo entre o espiritual e o terreno, o hermético e o aberto, a solidão e o amor.