Na lanchonete

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O piso de linóleo me encarava.

Era tudo muito claro, com muita luz entrando pelas janelas lá em cima. Uma luz branca, angelical. As mesas estavam limpas, brilhando, sem nada nelas, se estendendo ao infinito. Não dava para perceber onde a lanchonete começava e nem onde terminava. E eu estava no meio, com mesas ao redor de mim, de todos os lados. Fileiras e colunas de mesas: uma ao lado da outra; uma à frente e uma atrás da outra.

E eu.

Somente eu aqui, e mais ninguém; nem no balcão. Lá só havia um tampo de madeira reluzente. Aqui tudo parecia ter sido mergulhado em óleo. Tudo brilhava, tudo cintilava, mas nada fazia barulho. O silêncio era perturbador. Ele retumbava em meus ouvidos, um zumbido ininterrupto, fazendo meu cérebro enlouquecer. Eu precisava ouvir algo. Qualquer coisa, qualquer barulho.

Me levantei e finalmente me vi. Pelado. Sem nenhum tecido em meu corpo. Me senti envergonhado, mesmo não vendo ninguém por aqui. E eu vi ele. Se escondendo, tímido, encolhido. Mas, quando reparou que eu o havia visto, ele cresceu. Tornou-se cada vez maior, até que não conseguiu mais, e parou. Ficou me encarando, e eu encarando ele. A vontade começou a me perseguir, mas eu mantive minha mão longe. Ela não podia chegar perto.

"O barulho... concentre-se no barulho" disse a mim mesmo.

Bati o pé no chão, mas as ondas sonoras não foram criadas.

Bati palma, mas o som continuava inexistente.

Soquei uma parede, mas não fez som algum.

Joguei uma mesa pelos ares, e, ao atingir o chão, ela se desmaterializou e ressurgiu em seu lugar.

Tentei gritar, mas nada saiu de minha boca.

Um barulho. Qualquer barulho.

Olhei para ele, que já estava voltando a ficar menor, mas voltou a crescer. A vontade agora era descontrolável. Primeiro o barulho. Mas a vontade era imensa, e não havia como fazer barulho. Mal toquei nele e ele explodiu, como um vulcão. Fiquei olhando para ele, vendo ele murchar aos poucos, voltando a ser tímido, adentrando a floresta.

Agora eu ouvia um barulho. Um barulho de algo se rachando, de algo quebrando. Olhei ao redor, mas as mesas não estavam mais lá. Uma rachadura crescia no chão. Antes ela era tímida, mas agora estava gigante, se abrindo cada vez mais. Como ele. E eu fui engolido por ela. Agora era eu quem adentrava a floresta.

A queda foi rápida, indolor, mesmo quando eu bati no chão, agora sujo , com embalagens e resto de comida espalhados por todos os lados. Eu continuava nu, e ele me observava, tímido. Esperei para vê-lo crescer, mas isso não aconteceu. Ele não saía de dentro da floresta.

Me levantei, sentindo algo líquido em meu rosto e um cheiro forte. Me apoiei na minha mão para me levantar e notei que a havia colocado em um poça de urina. Meu corpo inteiro estava numa poça de urina. Me levantei rapidamente, soltando palavrões em voz alta.

Barulho. Barulho!!

Um alívio percorreu minha espinha. Eu bati o pé no chão, e o som ressoou em meus ouvidos. Bati palmas, e o som estava aqui.

E foi um barulho que ouvi quando estava parado, olhando ao redor.

Um pigarro.

Procurei quem havia feito o som e o encontrei.

"Que bom ver você por aqui" ela disse. Sua voz era grave, potente. Ecoou em meus ouvidos mesmo após um tempo de que ela parou de falar.

Ela estava longe, mas continuava perto o suficiente para que eu sentisse o calor emanar da sua pele. Reparei que eu continua em pé, em cima da urina, mas não me mexi. Não senti necessidade. Eu estava imóvel, olhando a beleza dela. As mesas continuavam ali, enfileiradas, buscando o infinito. Mas estavam sujas, encardidas, como se não tivessem sido limpas a muitos anos. E no chão estava pior: havia restos de comidas, pães, pizzas, tomates, laranjas, chocolate, pedaços de animais, latas de refrigerantes, garravas de bebidas, fezes, e outras coisas ininteligíveis.

Quem é esse homem parado, atrás de você? (CONTO)Onde histórias criam vida. Descubra agora