Levanto da cama, a mancha na parede ainda líquida, o gosto da bala em minha boca. O céu lá fora está azul, sem nenhuma nuvem. Vou até o mercado; na fila do caixa, sinto um frio vindo detrás de mim. Um homem, carregando três pacotes de gelo empilhados um em cima do outro, segura-os nos braços e sorri para mim. Ignoro e dou as costas à ele.
Agora estou na parada de ônibus, sozinho, esperando.
A porta da igreja, no outro lado da rua, bate ruidosamente, mas o vento não chega a mim. Uma van passa numa velocidade sobrenatural, fazendo uma sacola de supermercado voar para o infinito. Vejo uma criança caminhando em minha direção, com passos alegres, quase saltitando, hipnotizada por seu pirulito vermelho. Ela para em frente à igreja e olha para mim. Para trás de mim, fixando seus olhos no que está lá. Me viro. Não há nada, apenas um bosque, com uma grande árvore perto da calçada. Olho para a criança, mas ela já está indo embora, com seus passos saltitantes, hipnotizada por seu pirulito. O sino da igreja toca, avisando a chegada da noite, o último horário que terá ônibus disponível.
Espero mais sete minutos, mas o ônibus não chega. Volto para casa. No caminho, encontro aquela velha, que todos diziam ser uma bruxa, uma fugitiva de Salém. Ela passa por mim, com os olhos arregalados, do tamanho de uma maçã, olhando para atrás de mim, igual a criança, e aponta um dedo para lá.
"Vá pro inferno" digo, e ela me olha com uma cara assustada. Continuo andando. Em casa, sento na frente da minha maquina de escrever – antiga, mas eficiente-, pego as folhas escritas anteriormente, e as reescrevo, sempre de um novo jeito, mas com os mesmos acontecimentos, mas sem um final. Ela acaba repentinamente, sem nenhuma explicação.
Quando acabo, pego a foto, analiso-a bem, passo o dedo pelo rosto da pessoa fotografada, digo umas palavras e vou ao meu quarto. Troco de roupa, sento na cama, leio a minha história, pego a bala, e a coloco em minha boca.
Acordo. A mancha na parede ainda liquida. O gosto da bala não saiu da minha boca. No mercado, o frio me arrepia, mas dessa vez, uma mulher está atrás de mim, comandando um carrinho de supermercado, com toneladas de carne congelada. O céu lá fora, com algumas nuvens solitárias.
Na parada de ônibus, vejo a criança vindo com seus passos saltitantes, hipnotizada por seu pirulito vermelho. Ela para e olha para atrás de mim. A árvore continua parada ali, suas folhas verdes, com pequenas frutas crescendo. A criança se vira a continua seu caminho. A van passa rápido, levantando a sacola, fazendo-a viajar pelos ares, solitária, como as nuvens. A porta da igreja bate, e um homem sai apressado; suas roupas sujas.
O sino toca. Seis horas
Seis e sete. Pego meu caminho para casa. Aquela velha passa por mim, com olhos arregalados e aponta.
"Vá pro inferno" digo. Ela sussurra algo, e vai embora, com uma cara emburrada. Eles costumavam dizer que ela era uma bruxa, que não foi caçada em Salém, mas que continuava viva.
Em casa, na máquina de escrever, releio a minha história, sem um final. Pego a foto. Acaricio o rosto, digo algumas palavras, vou para meu quarto, sento na cama, arrumo as cobertas em cima de minhas pernas e pego a bala.
Acordo. A mancha líquida na parede. O gosto da bala na boca. O céu com mais nuvens, mas quase inteiramente azul. No mercado, o frio volta, mas não olho para trás. Não me importo; alguém com comidas geladas, só isso.
Na parada, a van passa, voando, levantando uma sacola do chão, jogando-a aos céus, eternamente. A criança volta, saltitando, hipnotizada por seu pirulito vermelho. Olha para mim, com olhos arregalados. Hoje a árvore tem algumas folhas mais alaranjadas. A criança se vai. Um homem sai correndo da igreja, com roupas sujas, a porta batendo atrás de si.
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Quem é esse homem parado, atrás de você? (CONTO)
Tajemnica / ThrillerEu sempre acordava e via a macha na parede. Eu sempre ia ao mercado e sentia frio. Eu sempre via o homem e a criança enquanto esperava o ônibus. Eu sempre olhava para trás e via a árvore. Eu sempre olhava para trás e não via nada, mesmo ela dizen...