Londres – 2011
O barulho de seus sapatos de salto era tudo que Caitriona conseguia ouvir enquanto atravessava aquele corredor, arrumando os cachos revoltos dentro da touca bordô, numa tentativa inútil de mantê-los comportados. Dali conseguia observar dezenas de pessoas importantes vestindo seus ternos finos, gritando ao telefone ou digitando rápido em seus computadores, e essa imagem a deixava insegura – logo ela, que sempre fora tão confiante. Engoliu em seco, obrigando-se a sorrir. Aquele emprego era importante e seu primeiro dia na Stockholm Advogados precisava ser perfeito. Ela precisava ser perfeita. Não, aquilo ali não era seu sonho, mas o dinheiro do estágio pagaria por ele, por seu tão sonhado curso de fotografia. Ela não podia deixar seu medo vencer.
Ela sabia que não seria fácil viver da fotografia, que o mercado em Londres não era dos melhores, e por isso procurou uma segunda opção, mesmo que isso significasse começar como a garota do café. Era um trabalho simples, mas que ao menos pagava um bom salário.
Mesmo antes de chegar á minúscula cozinha do escritório, viu que tinha alguém ali. Um garoto alto, os cachos loiros batendo nos ombros enquanto se virava, curioso, percebendo que tinha companhia. Ele sorriu quando a viu, um sorriso que não ficava apenas nos lábios, mas nos olhos azuis. Ele sorria com o olhar.
– Bom dia! – Caitriona cumprimentou cordialmente, percebendo que o jovem poderia ser apenas alguns anos mais velho que ela. Ele vestia um terno com corte fino, como todos os outros homens ali.
– Ótimo dia! – ele respondeu, andando até ela enquanto falava – Você é a nova estagiária?
– Meu primeiro dia – afirmou, sentindo o sangue subir em sua face. Primeiras vezes eram terríveis.
– Ah! Então vou apresentar tudo pra você! – ele parecia empolgado enquanto falava. Ela estava fascinada por aquele sorriso – Meu nome é Sam Heughan – Ele esticou a mão para ela, que apressou-se em segurar. O toque era quente e reconfortante, como seu sorriso.
– Caitriona Balfe – ela disse, tentando sorrir de volta.
– É um prazer, Cait.
I have loved you since we were 18,
long before we both thought the same thing,
To be loved, to be in love
Londres – 2018
Toda vez que sentia que seu autocontrole iria escapar, ela levantava-se de sua cadeira de couro branco e andava até a janela do escritório. Tratava-se de uma parede inteira em vidro, do chão ao teto,e através dela, Caitriona podia observar a típica paisagem londrina: o céu cinzento e a chuva constante, aquela garoa fina que servia apenas para umedecer seus cabelos. Ela se aproximou do vidro e pressionou sua cabeça contra ele, fechando os olhos e relaxando ao sentir o toque gélido contra sua face.
O sentimento de irritação e insuficiência lhe eram constantes, especialmente quando nada podia fazer para mudar o resultado de suas causas. O sentimento de saber que um pedófilo continuaria em liberdade, que jamais receberia a devida sentença graças a um sistema de justiça falho, era de puro fracasso. O pior era ter que olhar nos olhos dos pais daquela criança de cinco anos que fora abusada, e ter lhes dizer que não fora boa o suficiente para condenar o infeliz. Puro fracasso.
Ela se afastou do vidro, arrumando o terninho de alta costura. Ajeitou os cabelos lisos, sentindo uma pontada de amargura ao se lembrar dos lindos cachos que tivera que deixar para trás, esticar e alisar para que pudesse se encaixar no padrão esperado de uma mulher da alta classe. Mas o que eram o cachos perto de tudo que deixara para trás? Não eram quase nada.
Ela sabia que não deveria ficar triste. Ela era muito feliz, não era? Claro que era! Tinha se casado com o homem de sua vida ainda tāo jovem, aos 18 anos. Com menos de seis meses de namoro, ela e Sam já estavam morando juntos, cheios de sonhos. Sam queria viajar o mundo, e ela, viver da fotografia. Ambos tiveram que deixar tudo de lado quando o pai de Sam faleceu e ele precisou assumir a Stockholm Advogados. Cait entendeu que o melhor seria seguir os passos do marido, uma vez que sempre se sentiu uma estranha em seu mundo, e não pretendia viver do dinheiro dele. Não, isso jamais seria uma opção.
Uma olhadela rápida no relógio a fez constatar que já eram mais de nove da noite. Não se deu ao trabalho de tentar descobrir se Sam ainda estava na empresa, apenas pegou sua bolsa e o casaco pesado e foi embora, parando no caminho em um restaurante japonês, onde pediu um combinado para uma pessoa. Não era a primeira vez que jantaria sozinha, e certamente não seria a última.
As luzes estavam todas apagadas quando chegou em casa. Claro que ele não tinha deixado o escritório ainda, ele nunca ia cedo para casa. Tirou os sapatos de salto e seguiu até seu escritório. O trabalho nunca parava, mesmo quando estava em casa.
Uma da manhã ela finalmente saiu do escritório, esticando-se enquanto atravessava os corredores vazios de sua casa. Precisava dormir se quisesse levantar cedo para ir á academia antes da primeira sessão no tribunal pela manhã.
A casa de dois andares era apenas um lembrete constante de seus sonhos deixados para trás: quando se mudaram para lá, pretendiam enchê-la de filhos e às vezes ela ouvia risos fantasmagóricos enquanto caminhava pelos corredores. Ela era fria e vazia.
Nenhum sussurro, nenhuma luz acesa. Talvez Sam ainda não estivesse em casa.
– Sam? – chamou, empurrando a porta do quarto, que revelou o abajur do lado esquerdo da cama aceso, e seu marido deitado com um livro em mãos, lendo. Ela identificou um dos livros de George Orwell e imaginou que se fossem em outros tempos, cairiam em uma alegre discussão acerca de suas ideias e pensamentos decorrentes da leitura, e horas mais tarde pegariam no sono, num abraço desajeitado, enquanto ele beijava-lhe na testa, e ambos desejassem conseguir ficar acordados por mais tempo, para que aquele momento nunca acabasse.
Mas os tempos haviam mudado.
– Cait – ele ergueu os olhos do livro por um segundo – não sabia que estava em casa – então fechou o livro, acomodando-o no criado-mudo ao lado da cama.
– Eu estava no escritório – ela disse, indo até seu closet – Você jantou? – falou mais alto para que se fizesse ouvir de onde estava.
– Sim, e você? – ela ouviu ele se acomodando melhor na cama, afofando os travesseiros.
– Sim – respondeu simplesmente – Como foi seu dia?
– Ótimo – eles nunca discutiam seus casos ou realmente falavam sobre seus dias. A pergunta era mera educação.
Logo o silêncio se instaurou e ela foi para o banho, deixando a porta aberta, como de costume. Enquanto se despia, percebeu que ele apagou seu abajur, mergulhando o quarto num breu.
Enfiou-se sob a água quente, deixando que ela escorresse por seu corpo, relaxando seus músculos no processo. Quase vinte minutos mais tarde ela voltou para o quarto, vestindo apenas uma camisola fina e afundou-se nas cobertas.
– Boa noite, Sam – ela disse baixinho, sem saber se ele ainda estava acordado. Virou-se de bunda para ele, abraçando um travesseiro.
– Boa noite, Caitriona – Sam respondeu, vários minutos depois, fazendo-a sobressaltar. Ela não disse mais nada. Não sabia o que poderia dizer. Ele tampouco.
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FanfictionSonhadores, iludidos e apaixonados. É assim que Caitriona define quem eles eram quando se conheceram, sete anos atrás. Sam sonhou em viajar o mundo, Cait em viver da fotografia, mas ambos acabaram deixando seus sonhos de lado para se dedicar ao escr...