Capítulo 2: São Jorge

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A reza para o santo, que nomeava o viaduto, dera certo, Júlio desistiu da ideia de tacar Vitório de cima do carro alegórico. Além disso, a calma conseguida na prece o fez retirar o obstáculo, junto com a união das forças de destaque e seu apoio. Júlio fez um sinal positivo para Valdo e o carro começou a se deslocar. Ainda bem que depois que o desfile começasse o lugar do garoto era no chão, pois o balançar do carro era apavorante para o jovem. 

Vitório e seu apoio se esparramaram no queijo e sentiram o viaduto passar alguns centímetros acima deles. 

— Ai, meu Santo Antônio, segura ele! Não deixa cair! — Júlio mostrou que o objeto estava seguro e Vitório se acalmou.

As pessoas do setor zero e do viaduto foram ao delírio quando tudo deu certo. Naqueles lugares estavam os mais apaixonados pela folia e que não podiam pagar por um ingresso dentro do Sambódromo. Assistir a concentração da escola implicava em sentir o fedor do Mangue de camarote ou dividir espaço com os carros que passavam pelo viaduto, mas isso parecia pouco quando viam de perto as belezas criadas pelo carnavalesco.

Ao deixarem o viaduto para trás, agora era hora de recolocar o esplendor em seu lugar. Júlio e Vitório tentavam a todo custo a acertarem a posição nos buracos determinados, mas a pressão não ajudava.

— A gente precisa conseguir, gastei uma fortuna pra fazer essa fantasia. — Vitório chorava desconsolado. — Odeio me concentrar aqui no Balança, nos Correios é muito mais tranquilo.

As escolas de samba realizavam a concentração em dois lados da Avenida Presidente Vargas, considerando a entrada da Sapucaí como referencial: as escolas com ordem ímpar de desfile realizavam a armação do lado direito, o dos Correios, e as escolas de ordem par, no lado esquerdo, o do edifício "Balança Mas Não Cai". Apenas no lado do Balança que contavam com o viaduto como obstáculo.

Júlio viu a imensa escultura de São Jorge presente perto deles e desejou que o Santo Guerreiro trouxesse forças para conseguirem colocar o esplendor no lugar. Ou enviasse um milagre.

De repente, a gaiola do carvalhão se aproximou e trouxe esperança: o diretor Valdo vinha segurando a grade vermelha característica do guindaste de transporte de componentes das agremiações. O homem fazia gestos pedindo calma aos homens em cima do queijo, apesar de o semblante não passar tranquilidade. O diretor saltou para a plataforma, reclamando do joelho operado, e foi ajeitando o esplendor, enquanto informava:

— Temos três minutos pra começar o desfile, o Perlingeiro já avisou no microfone. — Jorge Perlingeiro era o locutor oficial das notas na apuração das escolas na Quarta-Feira de Cinzas e responsável por informar a liberação da pista para a agremiação. — O ideal é a gente tirar e colocar — afirmou, após olhar que o esplendor só entrara em apenas um dos buracos —, nunca dá certo colocar separado, precisamos entrar com os dois ferros juntos.

O abre-alas avançou em direção à curva, momento crucial para agremiação, caso não fosse bem feita a manobra pelo motorista, a alegoria não entrava na Marquês de Sapucaí. Osvaldo, nome na credencial do sobrinho de Teresa, dizia que precisavam ser rápidos, pois ele sempre ajudava dando orientações aos condutores dos carros.

Os três homens conseguiram acertar os dois ferros no local correto e, antes de voltar para a gaiola do carvalhão, Osvaldo pediu para Júlio colocar o Santo Antônio no lugar. O garoto riu discretamente, os nomes dados pelos sambistas eram os melhores: joelho para a curva da Sapucaí, queijo pra plataforma dos destaques e Santo Antônio para a barra de segurança onde o destaque se apoiava enquanto o carro se deslocava. Queria saber quais outras alcunhas deveriam existir no meio carnavalesco.

Júlio pegou uma carona no guindaste, pois a escada de madeira fora retirada assim o esplendor saiu para passar o viaduto. O garoto tremia mais do que nunca, o vento balançava a gaiola e mesmo com as correias de segurança, aquilo ali não era muito agradável.

— Relaxe — o diretor colocou a mão no ombro do menino —, é sua primeira vez aqui no carvalhão? — O apoio de destaque assentiu. — É normal sentir medo, não é, meu chapa? — Osvaldo perguntou ao funcionário presente na gaiola, que concordou.

— É a primeira vez que desfilo, falei isso pra sua tia.

— Você começou pegando só rabuda, garoto, mas quando entrar na avenida, só vai querer que o desfile não acabe nunca. Todo ano acho que vou enfartar na avenida, mas não me vejo em outro lugar quando chega o carnaval.

Nada trouxe mais alívio a Júlio do que sentir o chão firme da Presidente Vargas. Valdo se adiantou em direção ao joelho e o rapaz foi em direção ao banheiro químico, nunca sentiu tanta vontade de fazer xixi. Ao abrir a porta do banheiro após a aliviada, viu o abre-alas entrando na Rua Marquês de Sapucaí e correu em direção ao carro. Como era apoio de um destaque do primeiro carro, fora orientado em ficar perto da alegoria. 

Era chegada a hora de finalmente cruzar a Marquês de Sapucaí pela primeira vez. Que tudo corresse bem, foi o que pediu para todos os santos que lembrou.

Como será o primeiro desfile do Júlio? Aguardo votos (cliquem na estrelinha) e comentários.

Segura o Santo Antônio! [Conto][Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora