Capítulo 1: São Sebastião

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Júlio desviou das outras baianas sem esperar a resposta de dona Teresa, integrante de uma das alas mais tradicionais das escolas de samba. Ele precisava chegar até o abre-alas antes da passagem desse carro alegórico pelo viaduto de São Sebastião. O garoto negro e de cabelo Black Power passava entre as senhoras e suas saias rodadas em tons de vermelho, branco e dourado. Mantinha o passo acelerado, um diretor de harmonia repetia que estava na hora da Estácio de Sá entrar na Avenida.

Uma sirene tocou e o coração disparou. Lembrou-se de quando era assistente de cenografia e das campainhas do teatro anunciando a chegada do espetáculo. Pelo jeito, aquele sinal sonoro tinha o mesmo objetivo: provocar um mini ataque do coração em todos os envolvidos. Ouviu a bateria Medalha de Ouro fazendo o esquenta para o setor um e se arrepiou. O avô tinha razão, nada como ouvir uma bateria ao vivo. Tudo bem que ouvia o esquenta pelos altos falantes, mas era outra coisa ouvir em meio àquele ambiente carnavalesco. O rapaz, de vinte e seis anos, era um novato no mundo carnavalesco e resolvera participar por insistência do avô, o grande folião da família.

Após passar por mais algumas alas e tomar com os esplendores de algumas fantasias na cara, chegou às costas do primeiro carro da escola e percebeu que o clima estava quente, pois o sobrinho de dona Teresa, chamado, por ela, de Valdo, gritava com o apoio de destaque que era seu companheiro:

— Você precisa tirar o esplendor de lá — apontava para o ponto mais alto do carro, onde estava o destaque que Júlio auxiliava —, não tá vendo que essa merda vai bater no viaduto!

— Moço, tenho medo de altura!

— Mermão, tu tá de sacanagem, né? — Valdo tirou o headphone do lado esquerdo, pois o do direito já estava fora do lugar. — Apoio de destaque com medo de altura, isso é novidade pra mim.

— Ei, também sou apoio do destaque central — Júlio se intrometeu na conversa —, cadê a escada pra subir?

O destaque central era a pessoa no melhor lugar da alegoria, geralmente no ponto mais alto e com a fantasia mais luxuosa. O destaque assessorado por Júlio era um conhecido do avô e folião da escola do morro do São Carlos. Quando chegaram à concentração, umas cinco horas antes do desfile — a recomendação da diretoria da agremiação era uma chegada com antecedência para não ocorrer nenhum imprevisto —, ficou decidido que ficaria em cima do carro e o esplendor preso no queijo.

— Opa, garoto, nos vemos de novo. — O diretor de harmonia Valdo reconheceu o rapaz que o interceptara um pouco antes a pedido da tia Teresa. — Espero que você seja útil como antes e me ajude aqui.

Outros homens da harmonia surgiram com a escada de madeira e Júlio manteve a pose de machão, também tinha certo receio com grandes alturas. Segundo diziam, o abre-alas tinha oito metros de altura. Fora um suplício mais cedo agir normalmente quando levara a fantasia até seu local de destino.

Os pés o conduziam cada vez mais perto do esplendor exagerado e que seria destruído se não fosse retirado. As pessoas presentes no setor zero, arquibancadas montáveis do outro lado do Canal do Mangue, berravam palavras de incentivo. Outras pessoas que assistiam a armação da escola no próprio viaduto faziam com que Júlio fosse até seu intento mais determinado.

Com os pés no queijo, o rapaz sentiu o vento forte e se apoiou nas penas e plumas distribuídas naquele resplendor. O cheiro ruim do Mangue o fez torcer a cara, mas nem teve tempo de perguntar se Vitório estava bem, o homem disparou:

— Onde você estava? Se perdeu na concentração?

O carro deu um tranco e os dois se equilibraram como puderam.

— Conseguiu a tesoura?

— Não, nem achei ninguém. — Júlio tinha percorrido a concentração inteira antes do desfile em busca de alguém com a camisa com os dizeres "adereços" ou "ateliê", responsáveis por levarem tesouras, agulhas e linhas para os ajustes de última hora. — Puxa — deu um tapa na própria testa —, a dona Teresa tinha e nem me toquei de pedir pra ela.

— Quem é dona Teresa?

— Uma baiana que ajudei a encontrar a cabeça, ela traz um kit costura em caso...

Os gritos do diretor Valdo impediram o apoio de destaque de continuar a falar, afinal, não subira até o topo do carro para ficar de papo com o destaque, necessitava desencaixar o esplendor para que o carro passasse pelo viaduto São Sebastião e fosse para pista de desfile. A questão da tesoura também não fazia mais sentido no momento. Júlio começou o trabalho de retirar aquela parte da fantasia, mas o peso das centenas de penas e plumas mostrou que não seria fácil.

— Cuidado com minhas penas de rabo de galo. Olha, essas aí são de faisão albino, custam uma fortuna!

— Vitório — Júlio encarou o destaque e o homem pôde ver o suor escorrendo na testa do rapaz —, melhor você me dá uma mão aqui, pois do jeito que eles estão com pressa — os berros da equipe de harmonia eram mais altos do que o som da Sapucaí e o discurso de agradecimento do presidente da escola —, não vai sobrar pena nenhuma se bater no viaduto!

Júlio suspirou e começou a rezar para que São Sebastião desse uma força e um pouco de paciência, pois estava quase querendo jogar o destaque para longe devido ao chilique. 

Será que vai dar tempo ou o viaduto vai acabar com esplendor do Vitório? Espero comentários e aquele votinho esperto ao clicar na estrelinha.

Segura o Santo Antônio! [Conto][Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora