Capítulo 3: Santo Antônio

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Júlio viu o companheiro, também apoio de Vitório, e soube que estava no lugar certo. Quando pisou na pista de desfile e deu de cara com o setor um, sentiu-se deslumbrado. A arquibancada popular o saudou e ele achou que era a pessoa mais importante naquele cortejo carnavalesco. O intérprete entoava o samba de esquenta da agremiação do bairro Estácio e o coração entrou em sintonia com a batida da bateria. Correu para o lado direito do carro alegórico, lembrando-se da orientação do avô, dessa forma passaria ao lado do primeiro recuo e veria a ala dos ritmistas de perto.

Jornalistas estavam nas laterais da pista, alguns fotografavam, outros gravavam vídeos. Reconheceu algumas personalidades do samba, mostradas pelo avô em revistas, marcando presença na área antes do portão de início de desfile. A arquibancada do setor um ficava na última parte da concentração da escola, ali era possível ver os ajustes das escolas antes da hora de serem avaliadas. Nessa mesma parte, do outro lado, ficavam as cabines da imprensa. As emissoras de rádio, jornais e veículos cibernéticos ocupavam a estrutura e informavam aos seguidores sobre os preparativos das agremiações.

O batuque da bateria tornou-se mais próximo e Júlio se arrepiou. Ele estava ao lado da ala, sentia os diversos sons de instrumentos tocando em comunhão. Vislumbrou o carro de som com a equipe de vozes auxiliando o intérprete. O som do cavaquinho e do violão também foi percebido pelo rapaz. A rainha de bateria vestia um traje belo e brilhante e sambava com empolgação que contagiou o garoto.

Júlio seguia o cortejo cantando o samba a plenos pulmões e, de vez em quando, olhava em direção a Vitório, mas parecia que o homem também estava curtindo o desfile depois do sufoco. Não viu mais o outro apoio do destaque, mas decidiu se preocupar com isso quando chegasse à dispersão. Aos poucos, o grande símbolo da apoteose se tornava mais próximo e o garoto percebeu que o sobrinho de dona Teresa tinha razão: ele não queria que acabasse.

Lembrou-se do avô dizendo que só passando pela Sapucaí se poderia sentir aquela energia transcendental existente naquele local. Era algo mágico que tocava direto o coração. Por mais que pudesse recontar as experiências para o neto, o senhor sempre insistia que nada seria melhor do que vivenciar um desfile. Júlio concordou, guardaria dentro de si o deslumbramento da situação, palavras não traduziam os sentimentos ali vividos.

Cruzar a linha de fim de desfile trouxe dois sentimentos: satisfação de ter cumprido seu papel naquela agremiação e saudade de poder vivenciar aquela sensação indescritível que sentiu ao cruzar os setecentos metros da Marquês. Na Praça da Apoteose, os componentes das alas escoavam pelo lado esquerdo enquanto as alegorias iam pelo direito. Tudo precisava ser feito com rapidez, pois outras alas e carros alegóricos vinham na sequência. Além disso, caso a escola atrasasse a dispersão, era passível de punição. Júlio caçou uma escada de madeira para retirar Vitório do topo, jamais subiria em um carvalhão novamente. Isso foi fácil de conseguir, já que a maioria preferia descer com o guindaste a encarar a escada. Tinha louco pra tudo nesse mundo, pensou o garoto.

— Ainda bem que você chegou, estou passando mal. — Dava para perceber, Vitório parecia mais branco do que cera de vela. — Acho que é o calor!

— Chama o maqueiro! Destaque passando mal! — Júlio berrava para o outro apoio de destaque.

O parceiro de Júlio correu em direção ao pronto-socorro e o esplendor era usado como leque para abanar o destaque central. Vitório deitou-se no queijo e manteve os olhos fechados. O som do samba-enredo não os deixava esquecer que ainda estavam na Sapucaí.

— Aguenta firme, Vitório — apertou a mão suada do destaque —, eles estão vindo te atender.

A aproximação da gaiola vermelha provocou uma cambalhota no estômago de Júlio, se ele tivesse que usar novamente aquele transporte, seria o próximo a se sentir mal. O olhar do rapaz desviou do carvalhão para a escada que parecia se afastar do queijo. Júlio não pensou duas vezes, agarrou-se ao material de madeira, soltando o esplendor, e gritou:

— Deixem a escada! — Explanava para a equipe da força que, no chão, tentava levar o meio mais seguro de sair do queijo, de acordo com a percepção do apoio. — Eu preciso da escada!

— Menino, você pode descer por aqui. — Um médico, que agora dividia o queijo com os dois, mostrou o pesadelo do garoto.

— Não! — Virou-se para baixo. — Não tirem a escada! — O carro alegórico começou a se mexer e Júlio perdeu a batalha para a força. 

— Júlio, cuidado! — Vitório, já no carvalhão, pediu:   —  Segura o Santo Antônio!

O apoio de destaque foi salvo pela bendita barra de segurança. Não houve jeito, como Vitório e o médico estavam na gaiola assassina, o jeito foi ir para o chão por ela. Até tentou convencer que ficaria em cima da alegoria até quando a escada estivesse disponível, mas o segundo carro da escola se aproximava e o abre-alas necessitava abrir espaço para escoamento das alegorias. Além disso, as alegorias seguiam um cortejo pelas ruas do entorno do Sambódromo e lá não seria possível sair do topo, podendo correr o risco de ser atingido por algum fio de luz.

Já em solo bem firme, Vitório bebeu alguns copos de água oferecidos pela equipe da CEDAE (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro) e se restabeleceu prontamente. Tudo parecia sob controle quando Júlio viu uma baiana sendo carregada pelos maqueiros e se lembrou de dona Teresa. Na pressa em atender a senhora, os maqueiros deixaram a cruzeta cair e o rapaz viu que sua mais nova amiga também não se sentira bem. Entregou as partes da fantasia para o outro apoio e disse que precisava falar com uma pessoa.

Após o resgate da amiga do pronto-socorro, onde Júlio pagou um grande mico, mas que não vinha ao caso explicar, só quem gostava de contar aquela escapulida era dona Teresa, ele decidiu que curtiria o carnaval até o fim e aceitou o convite para desfilar em uma escola de samba presente na série D da Liga Independente das Escolas de Samba do Brasil. O desfile aconteceria no domingo de carnaval na Estrada Intendente Magalhães, no bairro do Campinho. O garoto só conhecia os desfiles que aconteciam no Sambódromo, por isso, foi um choque saber que existia até série E de escolas de samba. Pensou em qual santo pediria proteção para a próxima aventura carnavalesca.

Será que o Júlio consegue viver emoções mais fortes do que essas até agora? Vamos mandar estrelinhas para a história através dos votos e comentar para a gente conversar sobre carnaval. 

Segura o Santo Antônio! [Conto][Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora