Profecias cantadas

15 3 9
                                    

Meu corpo queimava em dor. Respirar doía e eu engasgava no gosto metálico de sangue. Estava deitada sobre o chão gelado, me cegando com uma forte luz de led sob minha cabeça, pendurada sob um teto marfim. Um rosto pairou sobre mim, avaliando o estrago.

  -Ora, Caçador. Não imaginei que o veria tão cedo e de mãos vazias. -Intonat disse, desapontado. 

  -A garota... -Gemi, mas não era eu que controlava.

Eu era ele. O Caçador. Sentia seu peito batendo devagar enquanto morria e não conseguia controlar o que dizia. Era apenas um espectadora em sua mente e corpo.

  -Sim, a garota.

  -Disse que era só... Uma menina.

  -E é só uma menina. Só que uma menina muito forte. -Intonat disse, debochado. -Contratei você porque imaginei que era um dos melhores.

  -Não luto contra bruxas. Caço pessoas.

  -Eu poderia estar mandando você atrás de um demônio, e você teria que trazer a mim. -Seu olhar endureceu. -Você vai traze-la a mim. Mas não se preocupe... -Intonat saiu e entrou em foco. -... Não terá que cuidar dela sozinho, por enquanto. Mas vou precisar de você inteiro.

O homem sorriu, observando o estrago, e enfiou o dedo no fundo ferimento de minha clavícula. Gritei, sentindo meu corpo vertendo em dor, enquanto minha consciência se esvaía.

  -Hm, vou ter que consertar isso. Isso pode doer... -Intonat sorriu, deliciado. -Um pouco.

Senti meu sistema nervoso entrando em colapso, sobrecarregado, enquanto eu me debatia e sentia meu corpo se desfazendo e refazendo, de dentro para fora. Uma costela quebrada se partiu em pedaços menores e voltou a se reconstituir. A sujeira do ferimento em minha garganta começou a queimar, enquanto a carne se curava. A dor era lancinante.

  -O QUE ESTÁ FAZENDO? -Gritei.

  -Te curando, seu ingrato, mesmo depois de você ter falhado. Mas não se preocupe, ainda vou te manter vivo, mas seu dever terá que esperar um pouco.

Mais um órgão recuperado de modo doloroso e eu joguei a cabeça para trás, urrando.

  -Não se preocupe, ainda tem muito trabalho pela frente.

  -Amara?

Respirei fundo, a ponto dos pulmões doerem, e abri os olhos. Onde estou? Onde estou? Teto de palha e madeira. Tribo das Amazonas. Certo. Zahra me encarou.

  -Está na hora do jantar.

Assenti, me levantando sem jeito da rede, minha cabeça zumbindo. Estava escuro. O interior da oca estava pouco iluminado com algumas tochas, afastadas das paredes. Segui Zahra para fora, de onde eu ouvia cantigas e conversas, das quais eu nada entendia.

O céu brilhava em purpurina, a lua iluminava a copa das árvores, e o fogo, a face das mulheres. Uma grande fogueira brilhava vários metros a frente a oca. Moças dançavam, cantando e pulando, rindo enquanto puxavam e seguravam a mão das meninas. 

Caminhei até a área onde todos festejavam, esfregando os braços, atacados pela brisa fria da noite, e sentindo o calor em meu rosto e peito, emanado do fogo. Lucas se aproximou, com um esboço de sorriso, e me abraçou. Enfiei o rosto em seu casaco, sentindo o típico cheiro de pinho em sua roupa.

  -Tudo bem? -Perguntei, sentido meu corpo aquecer. -Cuidaram bem de você? Onde vocês ficaram?

  -Estou bem. Elas nos colocaram do outro lado da clareira. E, se "cuidar bem" você quer dizer "não nos matou ou torturou e nos colocou para dormir em sacos com cobras", sim. Elas cuidaram bem da gente.

As Crônicas dos Daren - Livro IV - Vindos da terraOnde histórias criam vida. Descubra agora