— Era a mais viável de ser colocada em prática.
— Você não considera isso desumano?
Suspiro.
O primeiro impulso de Sieben foi voltar para a Segurança e falar diretamente com Dekao. Se Angfor estava brincando, então aquela era a piada de maior mau gosto da história. Se estava falando a verdade – e Sieben não sabia exatamente porquê Angfor mentiria –, algo de muito errado estava acontecendo. Estava andando depressa quando parou de súbito, o coração disparado.
Não podia correr o risco de voltar para o prédio e ser detido para interrogatório caso Ershi não fosse realmente quem dizia ser. Sieben respirou fundo e voltou a passos largos, encontrando em meio aos destroços de construção Angfor que o seguia se esgueirando pelos escombros.
— Volte para o prédio. Eu não estou bem, devo ter delirado. O aniversário de morte de Twine me desestabilizou.
— Leve um atestado amanhã pela manhã. — Angfor pediu com seriedade.
Sieben concordou e saiu. Passaria em algum posto hospitalar à noite e tentaria convencer aos plantonistas sobre seu problema temporário de ordem psicológica. Por hora, precisava encontrar Ershi, a outra ponta de toda aquela confusão, e esclarecer os fatos de uma vez por todas.
Não faltava muito para que Ershi chegasse ao cemitério, se cumprisse com o combinado. Queria chegar o quanto antes. Queria ter controle de suas ações para não deixar a raiva fluir e interferir em suas atitudes. Pensou por um segundo em atuar. Agir como se não soubesse de nada para ver até onde Ershi tentaria enganá-lo – supondo que Angfor não estivesse mentindo –, mas a raiva por ter sido interrompido por Ershi no momento de maior fraqueza de sua vida não permitia que Sieben considerasse a ideia de fato.
Ershi já estava bastante atrasado quando Sieben sentiu as pernas fraquejarem. Ventava naquele fim de tarde. Ele não comia nada desde o horário do almoço e sequer conseguia sentir fome. Uma estranha possibilidade passou a atormentá-lo. Não havia nem sinal de que Ershi apareceria ali e nunca vira ninguém que não ele interagir com o suposto substituto de Twine. Riu. Depois de encontrar pessoalmente rebeldes e ouvir música proibida sem que sua cabeça explodisse, a perspectiva de que poderia de fato ter adquirido a habilidade de falar com uma pessoa imaginária não era de todo bizarra.
Mas Sieben não conseguia deixar de se sentir assustado.
Número sete.
Era desconfortável ser chamado daquela maneira. Números eram atribuídos a locais, objetos em série. Animais de um rebanho. Sete. Não se tratava de uma palavra de baixo calão. Era impossível que aquela garota soubesse que o suposto apelido o incomodaria tanto.
Ou talvez ela não estivesse tentando incomodar.
A única coisa pior do que sentir fome, frio e cansaço sem de fato querer satisfazer tais necessidades era saber que sua vida – que sempre fora uma linha reta e sem atalhos, mesmo enquanto Twine ainda estava vivo – não tinha constância. Ainda que tudo o que vivera se resumisse naquele frágil castelo de areia, era o seu castelo de areia e ninguém tinha o direito de assoprá-lo sem sua permissão.
Ou talvez isso seja viver nesse mundo. Permitir cegamente que seus sonhos sejam destruídos porque a base do castelo é uma grande mentira.
Estava pronto para sair do cemitério. Não havia nada o que fazer ali. Sieben só recuou quando finalmente viu dois membros da Força se aproximando. Eles andavam devagar, embora a passos firmes, como se não desejassem assustá-lo.
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Sui Generis
Science FictionUnidade é o nome do último país habitado do mundo e onde mora Sieben, um jovem de vinte anos que passou a vida inteira integrando a sociedade em que vivia sem questionar as diversas incoerências que aprendera a respeito de sua origem e seu país. E...