— Realmente acreditaram que isso iria durar? Que todos ficariam submissos para sempre?
— Na verdade não. Até durou bastante, se considerarmos tudo o que aconteceu. E nos tornamos os maiores anti-heróis da humanidade. Espero que sempre se lembrem de nós.
Escolhas, escolhas...
Poderia mesmo ser tudo consequência de escolhas somadas a uma má sorte sem precedentes? Sieben não conseguia conectar os fatos. Sabia que a Guerra de Dissensão matou mais pessoas do que qualquer outra guerra já vista, isto porque o mundo todo se envolvera no trágico evento. Se um determinado país possuía aliança política com outro, uma desavença de origem religiosa era suficiente para que essa aliança fosse destruída e os países entrassem em conflito. E vice-versa. Huit, seu mentor, costumava dizer que a Guerra de Dissensão foi a guerra causada pela intolerância. Seria possível que as pessoas estivessem tão aprisionadas dentro das próprias bolhas que só fossem capazes de conviver em paz após terem toda sua vida moldada e baseada em mentiras? Sieben não conseguia deixar de pensar.
E seguia pensando. Pensando em coisas que não deveria e não conseguia mais identificar os limites do que poderia ativar o chip ou não. O grupo estava em silêncio quando, sem conseguir se conter, externou sua dúvida sem refletir ou escolher palavras:
— Por que vocês todos ainda não estão mortos? Por que o chip de vocês nunca acusou?
Niihachi suspirou. Não estava bem para ter aquele tipo de conversa. Aliás, não estava bem para ter conversa alguma. Entretanto, apenas abriu e fechou a boca, impedindo-se de interromper quando Ershi começou a falar:
— Todos nós tivemos os chips desativados logo quando foi possível.
— Isso pode acontecer?
— Sim. Você também passou por esse processo e nem percebeu.
Sieben levou as mãos à cabeça, procurando avidamente por alguma cicatriz que indicasse que seu crânio fora aberto recentemente para que apertassem algum botão específico no chip e Ershi riu.
— As coisas que são proibidas para nós não são proibidas por acaso, Sieben. — Ershi respirou fundo, como que se preparando para entrar em um assunto potencialmente delicado. — Você compreende que, para conseguirmos ambicionar a liberdade com os pés no chão, sem idealizar uma situação, tivemos que planejar por anos. Esse planejamento começou antes de nascermos, com as primeiras pessoas que discordaram do novo modelo de Administração.
— Sim, eu percebi. — Sieben murmurou pensando em Jannike. Fitou Ershi por alguns segundos e finalmente conseguiu enxergar ali uma pessoa íntegra, que, de uma estranha maneira, tentou protegê-lo da decepção sem nem mesmo conhecê-lo antes. Esboçou um sorriso.
— Muitas pessoas nos ajudaram para que chegássemos até aqui. — Ershi continuou sombriamente. — Não duvide da boa intenção dessas pessoas.
— Você vai me contar quem é?
Ershi sorriu.
— Uma delas você pode descobrir apenas puxando pela memória. E a outra, bem, ela não faz parte do movimento em si, mas nos ajudou sem pensar duas vezes.
Sieben franziu o cenho, não gostando daquele jogo de palavras. Ershi o encarava ansioso enquanto ele repassava mentalmente todas as pessoas que passaram por sua vida. Havia as professoras da Educação Básica, de quem tinha poucas lembranças. O primeiro amigo fora Twine e ele sempre respeitara bastante Dekao. Pensou que pudesse ser o líder da Segurança a ajuda interina da resistência, mas, quando se recordou do pronome feminino utilizado por Ershi, arregalou os olhos levemente.
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Sui Generis
Science FictionUnidade é o nome do último país habitado do mundo e onde mora Sieben, um jovem de vinte anos que passou a vida inteira integrando a sociedade em que vivia sem questionar as diversas incoerências que aprendera a respeito de sua origem e seu país. E...