Capítulo 3

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— Finalmente! — comemorou Tori assim que acordei. Ela estava sentada num banquinho de madeira ao lado da cama. Barulho de algazarra preenchia os corredores do lado de fora do aposento. — Há quanto tempo estou desacordada? — indaguei sobressaltada, porém com certo alívio de perceber meu corpo respondendo aos meus comandos. — Duas luas. — Como assim? — fiz a pergunta sem olhar para ela. Naquele momento eu estava sentada e mais preocupada em checar os movimentos de pernas e braços. — Dois dias. Contamos os dias pelo número de luas — explicou. — O sono é reparador. Vejo que está melhor, híbrida. Vista isso. — Para que esse vestido? — questionei ao vê-la segurando um vestido sem mangas com a parte de cima bem justa e que terminava em uma saia longa e volumosa. Ele era negro e se mesclava perfeitamente com tudo ao meu redor. — Você vai para a festa — determinou Tori de forma enérgica. Ela era uma senhora miúda, com os cabelos grisalhos e o rosto repleto de rugas. — Quem disse? — rebati no mesmo tom, pondo-me de pé pela primeira vez. — São ordens, híbrida. — Suas pupilas tremeram e eu vacilei. Por um instante, eu havia me esquecido de onde estava. Observar um ser semelhante a mim era tão assustador quanto hipnotizante. — De quem? — Shakur. Ele quer que você se alimente. Ele não manda em mim!, é o que eu queria berrar, mas tive a sensatez de me manter calada. — Eu não estou com fome — menti. — Sua energia está inconstante e um pouco de comida lhe fará bem — constatou. — Aproveite o raro bom humor do líder e não o aborreça, garota. Você não imagina como sua tolerância é curta e do que ele é capaz de fazer se for contrariado.— Ela repuxou os lábios, enigmática.   Tori nem precisaria me acompanhar até o grande salão. Bastaria seguir o estridente som da música e das risadas altas. Em meio à animação da festa, para meu alívio, minha chegada passou despercebida. — Vá! E cuidado com o que fala — instruiu, empurrando-me agitada em direção a uma pomposa mesa onde o líder se encontrava. Assim como o trono mais adiante, a mesa era feita de uma pedra negra e brilhosa. Shakur estava sozinho e olhava em nossa direção. — Sente-se aqui. — Shakur mostrou a cadeira a seu lado assim que me aproximei. A mesa ficava na parte superior do salão, próxima ao altar. Não me recordava  de tê-la visto ali na véspera. — Coma — mandou. Olhei para a comida disposta e, mesmo estando faminta, não consegui segurar a ânsia em meu estômago. Cobras, lagartos, pombos e outros bichos que eu não consegui reconhecer jaziam praticamente crus nas travessas à minha frente. Ugh! Aquela era a comida dos zirquinianos? Nem morta eu colocaria aquilo na boca! — Coma. — Impaciente, ele tornou a ordenar ao ver meu estado catatônico. Aquele era seu bom humor? — Eu não estou com… — Coma, híbrida, se não quiser que eu empurre tudo por sua goela abaixo — ameaçou. Um déjà vu! Claro! Os modos rudes de Richard espelhavam-se nos

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