12 | Esses sítios onde já não te alcanço

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Ninguém existe.

(Este é talvez o pensamento mais confuso, mais doloroso e mais fundamental que tive em toda a minha não-existência. )

Não és tu que seguras - seguro de ti - o cigarro recém acendido na ponta dos dedos compridos e frios. Não és tu que balanças a perna num gesto absorto, para cá e para lá, para cá e para lá, como se embalasses o caminho que te ainda falta cruzar mais tarde. Não és tu que contemplas o dia com o cepticismo de um não-crente nas maravilhas da criação.

Também não sou eu que te observo com a avidez de uma estudiosa das mentes bonitas. Nem tão pouco eu que bato nervosamente com os dedos na mesa do café, temendo o momento em que abres o livro sobre a mesa e te deixas levar por ele, lá para esses sítios onde já não te alcanço.

Deviam ser proibidos os sítios onde não te alcanço. Mas quanto mais o desejo, mais eles se multiplicam na minha frente; e mais tu, que não existes, e o teu cigarro que existe mais do que tu, se afastam do café onde tu lês e fumas e eu te observo, sem no entanto saírem do sítio em que estamos a não-existir. Um cigarro é sempre um cigarro, e por isso existe, mas tu não és sempre tu. E já não és meu quando lês. Nem quando fumas. Nem quando partes, mesmo que fiques. De qualquer das formas nada disso interessa agora, porque enquanto te observo e te procuro, chego à triste conclusão que nem tu, nem eu, nem o homem atrás do balcão existimos.

Existe sim uma série desequilibrada e desconexa de ideias: a ideia que tenho de ti, a fumar e a ler, a ideia que tenho de mim, a observar-te e a procurar-te, a ideia que tenho do homem, que não é ideia nenhuma, porque quando estás, mesmo não existindo e mesmo estando longe lá na terra dos cigarros e dos livros, não há nunca ninguém atrás do balcão, nem no mundo em geral.

Há ainda a ideia que tu tens de mim, que está tão longe como tu e o teu cigarro, a ideia que tens do homem, e a ideia que ele tem de nós os dois. Ou de tu e eu, em separado, como vossa excelência quiser.

Houston, só existimos em ideias, e isso é o mesmo que não ter existência. Por isso é que o amor é estúpido: porque não existe além de nós - que lendo, fumando, observando, procurando ou estando atrás do balcão também não existimos. Nunca o amor há de ser um jogo justo: é sempre uma negociação desigual entre ideias que mesmo triunfando não deixam de correr a tempos diferentes.

Neste caso, espero-te na meta.

A ideia que tenho de ti marcou a página e fixou o olhar na ideia que tenho de mim.

- Amo-te. - Sussurrou a ideia que tens de ti para a ideia que tens de mim.

- Tu não existes. - Respondeu a ideia que gostava de ter de mim.

E depois disto, a ideia que o homem tem de mim foi pagar, e saiu para continuar a celebrar a maravilha de não existir. 

2014, MJ

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⏰ Última atualização: Mar 08, 2018 ⏰

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