Dor

23 0 0
                                    



Foi meu pai quem me ensinou a suportar a dor. A primeira vez que ele me disse "Não precisa gritar" e tapou a minha boca com a sua mão esquerda foi um pouco assustadora, mas com o passar do tempo e as outras sessões, eu me acostumei.

Eu tinha quatro anos quando a minha mãe foi fazer uma excursão com os alunos para quem ela dava aulas de matemática. Nunca fui de gostar dessa matéria, mesmo quando ela me ensinava em casa; gostava muito de história, talvez pelo fato de conhecer como teve início a nossa civilização ou por descobrir que outras pessoas passaram pelas mesmas coisas que eu. Ou até piores. Isso me confortava, saber que alguém sofreu mais que eu. Me fazia sentir grata por meu pai não ser tão horrível quanto aqueles homens. Mas nesse dia eu estava no chão do meu quarto brincando com minhas bonecas e meu pai apareceu. Ele entrou e sentou na cama e ficou me olhando. Eu perguntei se ele queria brincar comigo, mas ele recusou e falou que boneca era coisa de menina, como se um brinquedo fosse arrancar seu pau e colocar uma buceta lá. Não pensei isso na época, claro, mas hoje quando me recordo de tudo o que ele me fez, é exatamente isso que eu imagino. Ele me observou por mais um tempo e se levantou. Mas, ao invés de ir embora, se ajoelhou ao meu lado e passou a mão em meu cabelo. Parei de brincar mas continuei com a boneca na mão. Ele me disse "Você é linda, sabia? " e eu concordei com a cabeça e olhei para ele.

Ele me ergueu, me colocou na cama e começou a tirar minha calça e depois minha camisa e depois a minha calcinha. Quando eu estava completamente sem roupa, só com as meias nos pés, ele abaixou a própria bermuda. Não tirou a cueca, porque já estava sem, então eu o vi. Duro, saltado para fora, feio. Nunca tinha visto antes, nunca tinha pensado nele e nunca ninguém me alertou sobre o que fazer quando visse um. Mas meu pai sabia. Levou-o até minha boca que, com seus quatro anos, era pequena, sendo difícil até de mascar o chiclete com forma redonda do mercadinho da esquina, então coube pouco do pau dele. Mas mesmo assim ele forçou a entrada de mais um pouco. Eu engasguei e ele tirou de lá. Saiu de perto da minha cabeça e colocou sua boca no meio das minhas pernas. Eu me assustei, pois nunca ninguém tinha me falado seu uso, a não ser para fazer xixi, e pedi para que ele parasse. Ele não escutou ou, se escutou, fingiu não ouvir nada e continuou.

Cada vez mais selvagem, cada vez mais rápido, cada vez com mais vontade de alcançar o mais longe possível com sua língua. Afastou a cabeça e mexeu em seu pinto. Cuspiu nele e levou até mim. Não sabia que algo podia entrar lá, só que algo saía, mas, aparentemente, algo sai e algo entra. Para sair, você precisa fazer um pequeno esforço e o líquido sai, mas, para entrar, você não precisa querer. E não precisa ser um líquido. Qualquer um pode colocar coisas ali, mesmo com suas lágrimas caindo pelo seu rosto e você gritando de dor.

Como se igual a um truque de mágica eu pararia de berrar se alguém falasse "Não precisa gritar", ele disse isso. Mas, quando eu tinha três anos, eu acreditava em mágica. Mas parei de acreditar no meu aniversário de quatro, porque eu não parei de gritar. Ele diminui o ritmo e gemeu. Girou a minha cabeça para que eu o olhasse em seus olhos e falou: "Não precisa contar para a mamãe. Isso é um segredo nosso. Entendido? " Não respondi, só o olhei. Rápida e furiosamente ele fez mais um movimento com a pélvis, me machucando. "Certo? " Só balancei a cabeça, afirmativamente.

***

Me deixando dolorida pela centésima, milionésima ou bilionésima vez –nunca soube se esse número era real ou foi uma invenção da minha cabeça, nunca gostei de matemática-, ele me olhou e disse "Esse é um segredo nosso" e saiu, fechando a porta.

Com o tempo, fui me acostumando à dor, mas, em algumas ocasiões, ele surgia com alguma coisa que me machucava mais. Física e psicologicamente. Se eu já não mandava em meu corpo, não tinha nenhuma forma de mandar na minha própria cabeça.

Não sei como ele tinha disposição para aquilo, com seu quarenta e poucos anos; mas eu, com meus quinze, não aguentava mais. Mas ele, obviamente, já transou muito mais vezes. Com alguma namorada da época da escola, com uma parceira de uma noite só, com a minha mãe. Ah, a minha mãe... Será que ela passou pelo mesmo que eu? Será que alguma outra mulher passou por isso? Será que eu tinha alguém a quem recorrer, alguém que pudesse me orientar, alguém que pudesse me salvar?

Obvio que não.

Era um segredo nosso. Eu não podia contar um segredo. Era contra os princípios humanos.

***

Quando fiz dezenove anos, não queria ver uma piroca nunca mais na minha vida. Essa merda destruiu a minha vida. Deve ter feito mal a muitas outras mulheres, homens, crianças, bebês. Dá pra imaginar? Quantas vidas foram destruídas por esse diabo que tanta gente aprecia, tanta gente quer tocar, que ver, que chupar. Vocês têm problema. Vocês são nojentos. Vocês merecem morrer. Só não desejo que tenham o que eu tive porque vocês não merecem isso. Vocês merecem tudo, menos isso.

***

Ele estava lindo. De terno preto, cabelo escovado, todo arrumado, com uma paz que transparecia em seu rosto. Meu pai... meu querido pai, que me causou tanto mal, mas que eu ainda amo.

Toda a minha vida eu o odiei, mas agora o amo. Desde os meus quatro anos até os vinte um, o odiava. Desejava a sua morte. Mas no momento, não desejava que morresse. Desejava que fosse ao inferno e lá ficasse por toda a eternidade, queimando e sendo submisso ao capeta, porque morto já estava. E eu o amava desse jeito.

***

Pude finalmente contar nosso segredo. Fui a psicólogos e fiquei internada numa clínica de reabilitação por alguns anos. Ou alguns milhares de anos, não sei bem.

Conheci um cara que me tratava bem. Namoramos e decidimos casar. Por cinco meses ele foi maravilhoso comigo, mas, numa noite, vi em seu rosto o rosto do meu pai. E, em seu pau, o sofrimento da minha vida inteira.

***

Agora ele não pode mais fazer nada comigo. Depois que roubei seu dinheiro, comprando o que havia de mais caro nos mercados e lojas; depois que o trai com dezenas de mulheres, que ele nunca imaginou que existiam; depois que arranquei seu mais preciso dom, aquilo que ele mais usava comigo; posso finalmente descansar em paz.

Ele está no nosso quarto, aqui do lado. Posso sentir o cheiro de sangue, desespero e sexo.

E eu estou na nossa –dele, ele que pagou- banheira, no nosso- seu- banheiro. Apoiada numa extremidade e com o corpo embaixo d'agua. Nos meus dois braços, meu sangue escorria. Na minha barriga, estava escrito dor. A dor que senti para escrever isso com a navalha de sua gilete de se barbear não foi nada comparada à dor que senti minha vida inteira. E, na minha buceta, o que todos os homens mais importantes da minha vida usaram contra mim.


Efeito ColateralOnde histórias criam vida. Descubra agora