A confusão começou, conforme foi comentado no dia seguinte, quando Ademar estava quase ganhando o jogo. As regras eram simples: três cartas eram postas na mesa e os valores delas eram somados. Depois, cada jogador recebia três cartas e, um de cada vez, ia descartando uma carta e pegando outra. Ganhava quem ficava com o valor das cartas da mão o mais próximo do valor das cartas da mesa.
Um 7 e um 5, ambos de copa, e um 8 de espada estavam na madeira molhada de cerveja e suja com cinzas de cigarro, que servia de apoio para as mãos ou cotovelos das cinco pessoas sentadas ao redor da mesa. Naira, Alípio, Tadeu, Ademar e Fernandão estavam jogando. Tadeu mostrou as cartas que tinha na mão: 4 de ouro, 9 de copa e 3 de espada. Dezesseis pontos. Alípio, com treze pontos, foi quem ficou mais distante da vitória. Fernandão fez dezesseis pontos, ficando empatado com Tadeu. Quando Ademar mostrou suas cartas, ouviu-se um som de espanto, euforia e alegria, tudo misturado. Ele levantou as duas mãos, pedindo aplausos, e todos aplaudiram e o cumprimentaram. Cinco de ouro, 7 de paus e 9 de copa. Por um ponto ele não conseguia o valor exato. Dado por vitorioso, Ademar, assim como os outros jogadores e quem observava o jogo, tomando cerveja, fumando, jogando olhares de flerte ou coçando o saco, expressão popularizada há pouco tempo, já recolhia as cartas e as embaralhava, esquecendo que faltava um jogador para revelar o que tinha em mãos.
Naira colocou na mesa primeiro o 7 de paus. Algumas pessoas olharam para ela, mas a maioria congratulava Ademar. Depois, ela revelou o 5 de espada. Agora poucas pessoas não prestavam atenção nela. Finalmente, a última carta foi posta na mesa: 8 de copa. O silencio foi total. Ninguém falou nada, ninguém se mexeu, ninguém respirou. Todos ficaram chocados. Ademar principalmente. Nunca perdia, e, quando perdia, ficava puto. Jogava as cartas no chão ou em um adversário; jogava cerveja na mesa, molhando o baralho; cuspia na cara de alguém. Mas nunca saía do bar. Nunca ia embora. Sempre queria mais uma. Mais uma vitória. Ele nunca perdia a segunda vez, nunca. Tinha sorte em segundas vezes.
Suas primeiras vezes foram horríveis, para dizer o mínimo. A primeira transa; a primeira tragada; o primeiro amor. Se você perguntasse a ele sobre a primeira paixão, ele diria "Que Deus a tenha". Mas, na verdade, ele gostaria de dizer: "Melhor morta, embaixo da terra e sem cabeça do que do meu lado". Mas no fundo ele não sentia isso. Ele sentia saudades. Ela sabia como fazer sexo. Se tinha uma coisa que Ademar sentia falta era da buceta de Beatriz. E, em certos dias, podia se lembrar do outro buraco e ficar melancólico. Nos dias mais intensos, ele se lembrava dos movimentos, dos cheiros, das suas mãos nos mais diversos lugares do corpo dela, onde ele nunca imaginou que uma mão pudesse estar. Suas mãos nos lugares íntimos, nas costas, dando tapas na bunda, no pescoço de Beatriz, sufocando-a, fazendo ela implorar por oxigênio, e deixando ele cada vez mais duro e selvagem. O rosto dela ficando roxo era uma das lembranças que mais excitavam Ademar. Não podia lembrar daqueles olhos perdendo o brilho, da pele perdendo a cor e do corpo perdendo os movimentos que precisava urgentemente acariciar seu "amiguinho".
Mas desde que Beatriz morreu, esse amiguinho só conheceu a urina, e as lembranças de como era uma foda ficaram esquecidas para ele. "Não tem mulher igual a Beatriz" era o que ele falava para si mesmo, quando pensava em ir a algum lugar para conhecer uma mulher e poder usar o pau. Mas seu subconsciente dizia que ele seria incapaz de usá-lo na hora H, e Ademar não aceitava isso. Ele era homem o bastante para fazê-lo funcionar a hora que queria, fosse com quem quer que fosse, na situação mais aleatória.
A segunda vez que se apaixonou foi depois da briga no bar.
Depois que Naira revelou suas cartas, estava claro quem tinha ganhado. Os vinte pontos eram os mesmos dos pontos na mesa. Todos olharam para Ademar sem falar nada. Naira entrelaçou os dedos, colocou as mãos na mesa e olhou desafiadoramente para Ademar. Ele sustentou seu olhar e ambos ficaram se encarando por um tempo que pareceu ser uma eternidade para quem estava ao redor deles. Quando o silencio ficou constrangedor demais, Lindomar finalmente falou.
![](https://img.wattpad.com/cover/140204543-288-k834758.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Efeito Colateral
Short StorySete contos. Seis histórias. Uma única cidade. trigger warning: estupro, violência física, suicídio, violência contra mulher