Antenor

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Descendo a rua em direção à praça, você pode encontrar um velhinho, com uma bengala, caminhando com dificuldade. Ele não se importa se vai demorar uma eternidade para chegar aonde quer, desde que chegue. A sua maior dificuldade não é se locomover, muito menos suportar o que fazem com ele; mas continuar vivendo.

Ninguém sabe exatamente a sua idade; ele já estava passeando pelas ruas de terra quando a primeira casa foi construída. Ninguém sabe onde ele mora. Ninguém sabe se tem uma esposa ou filhos. Ninguém sabe o que o levou a morar nessa pequena cidade no interior, onde tudo se faz com dificuldade: desde a ida ao supermercado, na cidade vizinha – aqui só há os mercadinhos de esquina com um bar na frente, onde homens, geralmente com idade mais avançada, se encontram para beber cerveja e jogar cartas –, ou dormir à noite, com um calor dos infernos. Mas o que todo mundo sabe é que já passou da hora do nosso homem morrer.

Não é um assunto muito discutido; não se fala disso na mesa de jantar ou quando alguém encontra um amigo no caminho ou na igreja, mas de vez em quando, se você aguçar os ouvidos e se concentrar, poderá ouvir alguém falando sobre Antenor, o velho do qual deu início a essa história. É um pouco complicado, eu sei, até porque você pode estar sentado na cadeira de balanço da Dona Selma, conversando com um de seus nove netos; ou no outro lado na cidade, no campo de futebol, jogando com as treze crianças da cidade, ou só as vendo correr de um lado para o outro; ou até mesmo limpando as calçadas ou as paredes sujas de sangue no meio do caminho entre o centro dessa cidadezinha e a cidade vizinha.

Assassinatos não são muito comuns de acontecerem, entretanto, também não são raros. Nos setenta e poucos anos desde o início da ocupação do município, só houveram três mortes: a primeira e a mais chocante foi o assassinato do "prefeito". Talvez ele não poderia ser chamado de prefeito, até porque ele não fez muita coisa pela cidade. Só ficava sentado em sua cadeira na prefeitura, "coçando o saco", uma expressão que ilustra muito bem o prefeito. Não se sabe quem criou essa frase, mas, aos poucos, todos na cidade a utilizavam. Bem, quase todos.

Quando souberam que o prefeito, em vez de coçar o saco, na verdade o utilizava juntamente com aquela coisa, pagando mulheres para o ajudarem, todos os habitantes ficaram chocados e começaram a olhar para ele com um olhar torto, vaiando-o em seus discursos públicos. Raramente alguém tocava no assunto; não sabiam como reagir. Mas uma pessoa foi capaz de fazer algo, depois de duas semanas da descoberta dos assuntos do político.

Seu corpo foi achado jogado no mato, na beira do açude, com um saco de batatas enfiado na cabeça, no amanhecer do dia 15 de março. Daqui a seis meses ele faria aniversário, mas ninguém lembrou de prestar homenagem a ele. Nem sua esposa, que, estando na cadeia, tinha mais no que pensar. Vale lembrar que ela foi acusada de matar o marido, sendo levada ao presídio no mesmo dia da descoberta do corpo dele, já que ela confessou.

O segundo assassinato foi na verdade um suicídio, mas todos se referem ao ocorrido como assassinato, já que alguém morreu. Leda estava no auge dos seus dezesseis anos quando conheceu Antônio, um rapaz com dois anos a mais que ela. No começo, sua família não gostou de seu companheiro, mas não aprovava o relacionamento dos dois, devido à diferença de idade. Naquela época, você só podia se relacionar com quem tinha a mesma idade que você, ou no máximo um ano a mais. Como queriam ficar juntos, decidiram fugir de onde moravam e, atravessando três cidades, chegou na cidade que vocês já conhecem.

Aqui, foram muito bem recebidos, todos queriam ajudá-los. Mas, depois de algum tempo, Antônio conheceu Rafaela. Eles dois tiveram um caso e quando Leda descobriu quis matar Antônio. Chegou até a pegar uma faca de pão da cozinha da casa da Maitê, mas Jorge, marido dela, a impediu. Leda foi ao seu quarto e Antônio e Rafaela foram expulsos da hospedaria. Quando marcou três horas da madrugada, Leda desceu até a sala, pegou a espingarda de Jorge, que ficava pendurada em cima da lareira, e esmigalhou seu cérebro.

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