[1] Cansaço

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[1] Cansaço


Saio lentamente da sala de ensaios, batendo a porta atrás de mim com uma força abrupta.

A verdade é que estou esgotado e deveras farto devido à grande pressão que me é imposta e circula ao meu redor. Quero libertar-me disto tudo e ser um mero adolescente que pode ir a festas e divertir-se sem ter demasiadas preocupações. Mas os factos reais, cujos não posso ignorar, são que estou longe de ser um mero e simples adolescente.

Sou Lucas Hall. O jovem talentoso pianista e cantor nas horas livres. Filho do grande maestro da Julliard School e da grande professora e pianista da incrivelmente poderosa escola. O meu futuro desde cedo foi definido; fui controlado para seguir as passadas do meu pai ou da minha mãe, mas azar ou sorte a verdade é que desde cedo mostrei um grande talento à frente do piano da minha mãe, igualmente, o que de certo foi sobrevalorizado. Portanto, a partir de tenra idade, por volta dos cinco anos, comecei a tocar, a acariciar as teclas, a fazer magia com as notas.

A parte do canto, essa é a parte desvalorizada. É apenas vista como um passatempo, mais um talento para o meu incrível currículo. Mas sempre que canto sinto-me bem, sinto-me muitíssimo diferente de quando toco. Tocar era libertador no início, mas com o passar dos anos tornou-se uma obrigação fazer melhor e melhor, superar todas as dificuldades encontradas, tentar atingir o auge, a perfeição. Foi aí que se tornou um sufoco e uma atividade sob pressão. Cantar. Faz-me sentir livre e fora da onda de preocupações, livre e relaxado, é como uma bolha de felicidade no qual estás enclausurado e nada de maligno pode entrar.

Mas, sei que tenho que pensar no meu futuro, no que realmente é dignificante para a minha família que lutou para eu estar nesta posição privilegiada, assim como eu, que me esforcei e dei todo o meu máximo dia após dia. Nada disso caiu em esquecimento, e é por isso que cantar é apenas um passatempo, ou melhor, era. Há meses que não canto, a minha voz mudou e errando ou não ao tocar nas teclas naturais do meu piano, trocando-as por teclas acidentes, saio-me melhor à frente do piano do que a cantar. Realmente nunca poderia tornar-me um cantor profissional. Que absurdo!

"Lucas, já vais?" Viro-me na direção da fonte proveniente do som, é Josh.

Fito-o por instantes. "Sim, precisas de alguma coisa?" Pergunto, tentando parecer educado. Não quero que ele vá outra vez dar com a língua nos dentes e contar à sua mãe, que de seguida irá contar à minha, como eu sou "um rapaz mal-educado".

"Estava a pensar se não querias ir comigo a uma festa, hoje à noite." Ele está a tentar pôr-me à prova, vejo isso nos seus olhos que cintilam uma perigosa luz.

"Não, Josh. Sabes que os meus pais não gostam que eu vá a esse tipo de festas" Acrescento ainda com uma voz o mais inocente possível. "E acredito que os teus pais também não."

Ele gagueja ao início. "Eu não vou, Só estava curioso se ias e-" Sim Josh, a tua conversa já eu conheço. És pior que a cobra que deu a provar a maçã a Eva.

"Bem, desculpa tenho de ir andando. A minha mãe deve estar em casa não tarda nada. Cumprimentos aos teus pais." Ah, um ponto para mim!

"Ok, adeus!"

Aparentemente eu sou o que todos querem ser, refiro-me aos alunos em formação, para de seguida se tornarem pianistas profissionais. Tenho influências na escola em função dos meus pais, apesar de não precisar ou querer usá-las pois tenho o presumível talento de tocar piano como se de um anjo a dedilhar uma harpa se tratasse. Uma família abastada, com grandes posses económicas. Um futuro quase garantido, mas obtido por muitos certo. E é aí que pessoas como Josh aparecem. Gananciosas e manipuladoras, bem como hipócritas e sonsas. Definido numa frase esta é a personalidade de Josh. A sua mãe e pai são amigos de longa data dos meus pais, também herdeiros de grandes propriedades privadas e objetos materiais e supérfluos.

Josh, infelizmente, habita o mesmo estabelecimento de ensino que eu e está também a concorrer ao concurso que esta proporciona aos alunos de música, nomeadamente do meu ramo de piano.

Todos os concorrentes irão instalar-se no anfiteatro da escola e cada concorrente terá a possibilidade de encantar o júri com a sua perícia; numa primeira ronda iremos tocar uma música lenta e na segunda uma mais rápida. Irá ser avaliado desde a postura em palco, o ritmo, o som, entre outros. O vencedor terá o prazer de tocar num concerto com o pianista clássico e professor na Jacobs School of Music em Indiana University.

E como esperado eu e todos os alunos da minha área estamos extremamente ansiosos e faremos de tudo para ganhar. Bem, eu não farei de tudo. Apenas o que estiver ao meu alcance e sem trapacear ninguém. Já pessoas como Josh não têm limites quando se trata de tudo. O que acabei de presenciar foi apenas uma tentativa de distracção e ele sabe perfeitamente que não lido bem com o stress e toda a pressão acumulada. Aposto o meu disco mais valioso que caso eu tivesse aceitado a sua proposta os meus pais milagrosamente iriam saber do sucedido e mais tarde sofreria as consequências de tais atos impensados. Boa notícia? Caí uma vez nos seus joguinhos, não caio mais.

Com estes pensamentos tempestuosos deixo o edifício da Julliard voar pela janela do meu carro e chego dentro de quinze minutos mais tarde a casa.

Entro pelas portas da monumental casa, cumprimento os empregados que vi pelo caminho e de seguida arrasto-me até ao salão de música. Quero tentar treinar a melodia que outrora errei, para desta vez sair correcta, mostrando à minha mãe que não existe necessidade alguma de preocupar-se comigo e sobrecarregar-me com mais aulas.

Mas assim que piso no salão de música uma vontade enorme de cantar trespassa-me o peito, fazendo-o palpitar. Num ato impulsivo sento-me no banco do piano e repouso por momentos, apenas sentado a pensar na música ideal para cantar. Rapidamente escolho uma música adequada ao meu estado de espírito e sem mais demoras começo a cantar.

"Abraça o silêncio

Porque não há nada que possa mudar o jeito que eu me sinto

Pega tudo o que quiseres

Agora que não há nada que possa mudar o jeito que eu me sinto

Aguenta firme, pequeno rapaz

O fim está próximo

Cansado de tudo isso, cansado de tudo isso

Nós não vamos continuar

Cansado de tudo isso, cansado de tudo isso

Eles não vão entender o quanto

Estamos cansados, estamos cansados

Desse profundo poço de mentiras

Por trás de olhos fechados"

(...)

Assim que acabo de cantar sinto-me incomodado, com uma sensação de estar a ser observado e, rapidamente reparo na figura da minha mãe encostada ao batente da porta, corada.

"Não devias estar a ensaiar?"

"Eu já ensaiei, apenas fiz agora uma pausa" Minto.

"Perguntei aos empregados, acabaste de chegar!" Ela grita, fazendo o seu berro ecoar nas quatro paredes brancas do grande salão.

"S-sim, eu já ia. É que quer-"

"Já chega de desculpas Lucas! Eu pago uma fortuna para te manter na Julliard! Eu e o teu pai acreditamos em ti! E hoje de manhã fazes aquela figura triste como se te pudesses dar ao luxo de tal coisa, e agora não treinas? Cantas? Pensas o quê?" Ele eleva a voz ainda mais. "Que és bom a fazê-lo? Pois enganas-te!" Respiro fundo. " Agora chega de birras de adolescente e começa a tocar a maldita canção!" Ela berra com todas as forças que tem, fazendo-me querer chorar.

"Tu não percebes. Ninguém percebe! Deixa-me em paz!" Berro ainda mais alto que ela, fazendo-a erguer uma sobrancelha e torcer o seu rosto em desagrado. Coro na direção do meu quarto.

"Lucas, volta aqui, agora!"

"Não, hoje não." Murmuro já nas escadas que davam acesso ao patamar do segundo andar.


[a música que o Lucas canta foi alterada em algumas partes. Para as antigas leitoras um aviso: o capítulo foi editado e antigamente isto era uma fic com o Niall, mas agora é um original]


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⏰ Última atualização: May 06, 2015 ⏰

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