As pessoas têm a mania de fantasiar as coisas e muitas vezes imagina-las da pior forma possível e com Miguel não foi nada diferente. Odiara o primeiro dia na escola, mas no terceiro dia já estava conversando com os colegas de classe, evitando duas certas garotas que ele ainda não conseguia engolir. Ariane, sua vizinha de carteira era uma tagarela, mas ele sempre dava uma desculpa quando ela começava a falar, abrindo um livro, fazendo algum exercício ou simplesmente fingindo não ouvi-la.
Descobrira que as duas garotas eram irmãs gêmeas, apesar de não serem idênticas ele conseguia vislumbrar apenas algumas semelhanças, a voz... chegava a ser macabro ouvir uma falando e em seguida ouvir a outra, parecia que uma tinha se desmaterializado de um lado da sala e se materializado do outro. Também tinham os olhos semelhantes e os gestos idênticos, esse último talvez pela convivência. Evidentemente, Ariane era mais agitada e escandalosa, enquanto a outra era mais contida e cheia de si. Entre as duas preferia Ariane, mas ele tinha uma missão, vingar-se da fulana que se divertira as suas custas e não desviaria sua atenção com a garota que arrancava riso facilmente dos colegas, salvo algumas exceções, desafetos que deixavam bem claro que não a suportavam.
Estava sentado no mesmo lugar onde tinha ido no primeiro dia com a irmã, que, assim como previra, já tinha feito amigos e simplesmente esquecera de sua existência, quando Ane se sentou ao lado dele e cruzou as pernas.
- Sabe por que a gente não costuma sentar aqui? – Ane perguntou olhando para cima.
- Não. – respondeu com genuíno interesse.
- De vez em quando alguns passarinhos fazem ninho nos galhos dessa árvore e a gente acaba voltando com a camiseta carimbada e fedida. Bosta de passarinho fede demais.
- Até agora tive sorte. – ele respondeu também olhando para cima.
- Uma vez recebi uma cocozada no cabelo, me enfiei debaixo da torneira e usei aquele sabonete líquido fedido do banheiro e o pior, não adiantou nada. Fiquei com o cabelo pingando, fedendo a sabonete de sabe lá o quê e bosta de passarinho, uma verdadeira inhaca..... Toma, minha vó mandou para você.
- O que é isso?
- Bolo. Ela se arrependeu de correr atrás de você com aquela vara e quando eu falei que você era o aluno novo e que estava na minha sala, se aproveitou da minha boa vontade.
Miguel lembrava-se muito bem do ocorrido e o que a velha senhora tinha nas mãos não era, de forma alguma, uma vara, mas se ela preferia pensar dessa forma, não tentaria convencê-la do contrário.
- É sério?
- Claro, para vó Linda tudo se resolve com uma fatia de bolo. Está nervosa, faz bolo. Está irritada, faz bolo. Vai dar conselhos, bolo. Vai colocar de castigo, bolo. Tudo se esclarece depois do bolo da verdade. – falou tudo de uma vez só, sem tomar fôlego entre as palavras.
- Bolo da verdade?
- É assim que eu chamo. Um pedaço de bolo e ela descobre a verdade, seja ela qual for. – Ane falou pegando uma fatia, mordendo em seguida e entregando a outra para ele, que a aceitou meio relutante.
Mal sabia ela que ele ainda não desistira de seu plano de vingança, observou a garota lembrando-se do que ela acabara de contar, olhou para cima e decidiu qual seria sua vingança, precisaria ainda amadurecer a ideia e de ajuda externa, mas em algum momento conseguiria. Distraiu-se ao perceber que a garota acomodava-se colocando as costas contra o tronco da árvore e pegou um livro para ler.
- Nossa, a gente passa a manhã toda com a cara enfiada em livros e cadernos e quando tem uma folga, você pega outro livro para ler? – Miguel caçoou dela olhando apenas uma parte da capa onde conseguiu vislumbrar um enorme cachorro.
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EntreLaços (completo até 05/07)
Literatura KobiecaEsta é a história de um amor nada perfeito. Obrigada a voltar para sua cidade natal a fim de ajudar a mãe na difícil tarefa de separar os bens de sua avó Rosalinda, falecida meses antes, Ane encontra um pequeno tesouro em forma de cartas deixadas po...