I - Um olhar apaixonante

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Uma chuva miudinha tinha-se abatido sobre Londres naquela primeira manhã de Setembro, e Elijah encontrava-se à mesa a tomar o pequeno-almoço, composto por uma omelete de queijo e fiambre e sumo de laranja, enquanto revia o regulamento do colégio de St. Peter´s; a entrada nesta prestigiada instituição, tinha-lhe sido concedida por ter sido um excelente aluno na faculdade mas também devido à carta de recomendação onde o reitor lhe tinha tecido bastantes elogios.  
Apesar de ainda faltarem mais de duas horas para o início do ano letivo, ele pôs-se a caminho do emprego, pois desde cedo os seus pais tinham-lhe ensinado que era melhor sair de casa com bastante tempo de sobra, do que sair em cima da hora, pois podia ocorrer qualquer tipo de imprevisto no caminho e caso o relógio estivesse do nosso lado, as probabilidades de se atrasar para os seus compromissos reduziam drasticamente. O trânsito londrino começava a adensar-se, (Elijah esboçou um ligeiro sorriso, ao reparar que mais pessoas partilhavam a sua visão sobre tornar-se amigo do tempo, porém sabia perfeitamente se essa fosse seguida por um maior número de pessoas, o mundo seria com certeza um lugar mais organizado), porém, o autocarro nº 177 que apanhava na Woolwich Road a poucos metros de onde morava, não tardou muito a chegar. Ao chegar ao colégio de St. Peter´s, ficou estupefacto com aquele edifício de granito do século XVIII; a construção tinha sido pensada até ao mais ínfimo pormenor: duas pequenas estátuas representando um leão com a pata dianteira pousada num globo, foram colocadas nas duas pontas do edifício como se a sua missão fosse proteger o colégio e todos os seus ocupantes, contra os inimigos do conhecimento; na frente, três pares de janelas permitiam a entrada dos raios solares, (Elijah não receou ficar com alguma daquelas salas, pois naquela zona os ruídos inerentes ao trânsito não se faziam sentir, sendo que o decurso das aulas não iria ser afetado); no telhado, a bandeira da instituição saudava o vento típico do início de Setembro, ao lado da “Union Jack”. O seu olhar repousava agora na porta de carvalho maciço, aquela porta que parecia acolher de braços abertos todos os que por ela passavam; todos os anos em que tinha estudado arduamente iriam começar a dar frutos na constituição de uma carreira como professor de História, a área pela qual se apaixonou por esta lhe permite saber o que tinha acontecido há seculos atrás, nos seus locais preferidos.
Com o primeiro passo para lá da ombreira da porta, toda a confiança que tinha foi substituída pelo nervosismo do primeiro dia de aulas na forma das familiares “borboletas na barriga”, e o facto de todos os olhares estarem concentrados nele não o ajudou a sentir mais calmo. Depois de respirar fundo, Elijah aventurou-se sozinho à descoberta do gabinete de Miss Thompson, a diretora do colégio, e os olhares curiosos seguiram-no para onde quer que fosse, sendo que na tentativa de se afastar de toda aquela atenção e das conversas em surdina tinha-se perdido, várias vezes, nos amplos corredores do colégio, até que se deu por vencido e decidiu questionar uma funcionária que se encontrava a abrir as salas de aula.
- Desculpe, será que me podia indicar onde fica o gabinete da diretora, por favor? – a sua voz saiu num sussurro devido ao estado de nervosismo em que se encontrava.
- Rapazes….logo no primeiro dia já arranjam sarilhos para ir à Diretora – disse a funcionária, com um sorriso e um aceno de cabeça.
Depois de guardar o molho de chaves no bolso da sua bata, a senhora guiou Elijah pelos corredores até ao destino; os olhares e os risos nervosos dos estudantes continuaram a persegui-lo em cada lugar que passava, fazendo com que o nervosismo teimasse em não deixar o seu corpo. O engano, revelou-se ter sido a decisão de deambular pelos corredores à procura de um canto onde se pudesse resguardar da curiosidade, em vez de ter subido a grande escadaria que se erguia majestosamente até ao 1º andar.
Uma vez no patamar bastava virar à direita e seguir por um longo corredor, rodeado de quadros dos antigos diretores. Os passos eram abafados por um tapete, e ao olhar pela primeira vez, para a porta do gabinete, sentiu uma pontada de uma mistura entre o nervosismo e a adrenalina a percorrer-lhe o corpo e consequentemente tudo o que tinha aprendido nos anos de faculdade, tinha-se varrido da sua mente; apesar de não ter nenhuma indicação, sobre o que se encontrava para lá daquela porta, havia um certo ar de autoridade e respeito à sua volta. Entregue à sua sorte, Elijah bateu rapidamente e ao de leve na porta e não tardou muito até que uma voz exclamou “Pode entrar!”, e após uma breve inspiração o jovem professor colocou a mão na maçaneta e abriu a porta.  
O gabinete era tão grande, que ocupava a totalidade da parte oeste da edificação; o sol entrava por três amplas janelas, uma das paredes era uma estante, que ocupava todo o comprimento da parede, preenchida por livros dos mais diversos géneros ao lado de pastas com ficheiros do colégio; a seguinte era constituída por retratos de alguns alunos que se tinham distinguido nas suas carreiras, no meio delas Elijah reconheceu dois membros importantes do partido que se encontrava no governo, um célebre músico, e um cientista cujo papel, tinha sido bastante fundamental, na revolução do conhecimento científico moderno.
- Bom dia, Mr. Shumway e seja bem-vindo ao colégio de St. Peter´s – disse a diretora, com um sorriso acompanhado de um aperto de mão.
- Bom dia e obrigado pela oportunidade que me concedeu – Elijah ficou admirado, pelo facto do aperto de mão ser ao mesmo tempo feminino e autoritário.
- Bem, o que o levou a lecionar História?
- Em primeiro lugar, sempre foi a minha disciplina quando eu era estudante; em segundo lugar, fascina-me saber os acontecimentos históricos que ocorreram nas ruas por onde caminho, aliás, gosto bastante de ir a exposições relacionadas com história e fico admirando as peças, ao mesmo tempo que imagino a sua vida e tudo o que presenciaram e as mãos porque passaram antes de serem consideradas um objeto histórico.
- A sua paixão pela História é claramente percetível – como já lhe tinham dito no passado, Elijah era uma pessoa que quando se apaixonava se entregava de corpo e alma, e essa dedicação ao amor tinha sido demasiada para algumas pessoas, então ele esperava ansiosamente que o futuro lhe trouxesse alguém que o amasse tanto assim e cuja intensidade de amor e entrega dele, não fossem motivo de afastamento – Por que razão escolheu o nosso colégio para iniciar a carreira?
- O St. Peter´s sempre foi uma referência na educação, devido ao excelente conjunto de disciplinas que apresentava, à elevada qualidade das suas infraestruturas entre outros fatores, e eu e os meus colegas sempre sonhamos em estudar aqui. A oportunidade de dar aulas, surgiu numa breve conversa com o reitor da faculdade onde ele me revelou que já tinha lecionado nesta instituição e ainda mantinha uma amizade com a Sr.ª Diretora…
- É verdade, entre eu e Mr. Dawson existem laços que nos unem há vários anos, sendo que deposito total confiança nas suas recomendações - o olhar nostálgico dela, indicava que em algum momento a relação deles não tinha avançado pelos caminhos misteriosos da doença crónica que leva o mais rijo dos homens à loucura.
- Espero não desiludir! - o nervosismo, inerente ao início de uma nova fase na sua vida, ainda se encontrava bem presente no seu corpo.
- Não se preocupe Mr. Shumway, acredito que desempenhará muito bem as suas funções e será, certamente, uma fonte de inspiração para os nossos alunos… - ao longe, a primeira campainha do ano letivo soou, interrompendo assim a diretora.
- Parece que é a minha deixa...
- Uns das regras mais importantes do colégio é que não são tolerados atrasos, a nenhum membro da comunidade escolar, por isso despache-se e boa sorte.
- Obrigado, poderia indicar-me apenas onde é a sala 9K?
- Basta descer as escadas, virar à direita e é a última sala do seu lado esquerdo.
- Obrigado mais uma vez, e um resto de um bom dia de trabalho.
- Igualmente.
    À saída do gabinete, Elijah repetiu constantemente as direções da sala, para que não se perdesse novamente e consequentemente se atrasasse, correndo o risco de causar uma má primeira impressão junto dos alunos e dos seus colegas. Quando o novo professor entrou na sala, o burburinho silenciou-se rapidamente, e ao percorrer a sala com o olhar reconheceu alguns rostos que tinham testemunhado a sua aventura dessa manhã pelos corredores.
- Ainda bem que não se perdeu outra vez, professor! – exclamou uma voz vinda do fundo da sala, soltando uma pequena gargalhada por parte da turma.
- É verdade, tive que rezar a Deus e repetir mais de 50 vezes, o caminho para achar a vossa sala. E tinha aqui, o mapa do colégio – disse enquanto exibia o mapa à turma, depois de o retirar da sua pasta, provocando um aumento das gargalhadas; Elijah dirigiu um sorriso simpático, mostrando gostar de piadas ocasionais para animar o ambiente – Bem, para dar início à nossa aula, quem quer ser o primeiro a se apresentar?   
- Porque não começa o professor? Nós não sabemos muito bem o que dizer – repetiu a mesma voz de há pouco.
- Eu não me importo de começar, mas nos meus tempos de estudante, perguntavam-nos o nome, o local onde morávamos, e se gostávamos da disciplina ou não e porquê. Vou-vos confidenciar que cheguei a apontar a minha apresentação, para ser mais fácil repetir a mesma lengalenga, mas se isto sair daqui eu nego tudo – a boa disposição do professor, era contagiante, pois a maioria dos alunos já se encontrava com um sorriso no rosto, estando visivelmente interessados no que ele tinha para dizer – E o teu nome qual é?
- Elaine Smith
- Agora só falta dizeres onde vives, se tens interesse na disciplina e a tua apresentação está completa! – o seu encolher de ombros resultou numa nova gargalhada geral; nesse momento, ele percebeu que dar aulas aquela turma, não ia ser complicado, pois o bom ambiente já estava criado sendo preciso apenas trabalho dos dois lados para o manter e melhorar.
- Mas  o professor disse que seria o primeiro a se apresentar, e acordo é acordo – desta vez quem falou foi a colega de mesa de Elaine, imitando o encolher de ombros do professor, uma jovem que não parecia ser do tipo que brincava nas aulas.
- Tens razão. O meu nome é Elijah Shumway, podem-me tratar por Mr. Elijah ou Mr. Shumway. Moro aqui em Greenwich e sempre me interessei por História…
- Porquê professor? – perguntou um rapaz que se encontrava sentado mesmo à frente dele.
- Bom, era mesmo a essa parte que ia chegar. Sempre me interessei por esta disciplina, pois na minha opinião acho deveras interessante saber a evolução da História e os acontecimentos históricos que ainda hoje têm repercussões na nossa forma de ver o mundo. Decidi ser professor, porque influenciar de um modo positivo, a vida de quem nos rodeia é uma das melhores coisas que podemos fazer no mundo, então, bastou juntar o útil ao agradável. Falem-me agora de vocês.
A turma era composta por mais raparigas que rapazes, todos eram londrinos e um ou outro tinha dito que gostava da disciplina, (Elijah não conseguiu perceber se tinha sido dito com sinceridade, ou se disseram para, simplesmente, cair nas boas graças do professor). Depois de todas as apresentações terem sido feitas, e de um pequeno intervalo, a aula foi ocupada pelo habitual teste diagnóstico, cuja diferença dos seus tempos de estudante era a completa ausência de ruído e a total concentração individual nos testes. Quando a aula acabou, Elijah pegou nos seus pertences, dirigiu-se a outra sala para repetir o seu monólogo e tentar fixar o maior número de nomes possível, tendo feito isto em todas as turmas que tivera naquele dia, sentindo-se como um artista ambulante que repete o seu número em cada cidade por onde passa.
- Será que posso falar consigo, Mr. Shumway? – questionou-o um aluno, aproximando-se dele à saída do colégio.
- Sim claro, em que te posso ajudar? – Elijah rapidamente se abstraiu dos seus pensamentos e tentou-se lembrar do nome do seu aluno, mas rapidamente percebeu que teria que adotar uma nova estratégia – Desculpa, não me recordo do teu nome, mas podes ter a certeza que não me esquecerei do que vais dizer.
- Bom, sou o Jason Martin do 2º B, e tenho um ligeiro problema de audição, sendo que senti uma pequena dificuldade em ouvir algumas coisas que o professor disse na aula. Na próxima aula, poderia falar um pouco mais alto, por favor?
- Na próxima aula terei esse cuidado. Quando estamos nervosos temos tendência a falar um pouco para dentro, e confesso que hoje fui mais um a seguir essa tendência – Elijah colocou a sua mão no ombro do estudante, num gesto que demonstrava claramente que iria prestar atenção a esse pequeno pormenor e a tudo o que pudesse surgir no futuro; baseado nas boas relações que tivera com professores, Elijah queria ser o tipo de professor a quem os alunos recorrem, quando atravessam uma fase mais complicada, (não imaginando o que se encontraria no reverso dessa moeda).
- Meu Deus! Espero bem que não te tenhas metido em sarilhos de novo. Conseguiste bater o teu recorde anterior, estás de parabéns! – uma jovem, que aparentava ter a mesma idade de Elijah, aproximou-se rapidamente dos dois, tendo puxado bruscamente Jason pelo braço que se encontrava livre e virando-se para o professor – Diga-me lá, o que este menino andou a planear desta vez ?! Vejamos se consegue bater o recorde da estupidez…
- Que eu saiba, ele não fez nada de mal, só me estava a pedir para falar um pouco mais alto, visto que possui um problema de audição…
- Sendo assim estou mais descansada. Se soubesse aquilo que ele faz, dava para escrever um livro ou um filme de comédia e daqueles que saímos a chorar de tanto rir. Bem, já agora o meu nome é Jessica Martin e sou a mãe dele – a raiva já tinha abandonado completamente o espírito da jovem, e esta estendeu-lhe a mão.
- A sério que é a mãe? Podia jurar que era apenas a irmã mais velha – gracejou ele retribuindo suavemente o aperto de mão dela – O meu nome é Elijah e serei o professor de História do seu filho.
- Só por acaso, mas mesmo por acaso, o seu apelido não é Shumway?
- Bom, e não é mesmo?! – a gargalhada foi agradavelmente partilhada pelos dois jovens – Como é que sabe? Somos amigos numa rede social qualquer? Ou tens algum tipo de sexto sentido?
- Já somos amigos no Facebook, e infelizmente não tenho um sexto sentido, mas se tivesse não teria cometido alguns erros ou talvez cometesse sabendo que teria o Jason na minha vida. Ah! A infinita bifurcação do espírito humano. Bem, antes que me perca nas incontáveis possibilidades… Eu e tu já fomos da mesma turma, lembras-te? No South-East Highschool até ao 9º ano, eu e a Madeleine eramos melhores amigas, não sei se te recordas dela, era…
- … era aquela rapariga completamente viciada em doces, que chegava a comprar caixas inteiras no quiosque em frente à escola – as recordações daquele tempo, chegaram até ele como uma lufada de ar fresco; todas as situações caricatas porque passara, seriam tema de conversa de uma, ou várias, tardes acompanhadas de uma chávena de chá e bolachas – Como é que me poderia esquecer? Foram tempos tão bons…
- Concordo plenamente contigo. Olha este sábado, eu, a Sally e o Drake vamo-nos encontrar no Rock n´Cups, será que podes vir? Por volta das duas da tarde, e com aquela regra de quem chegar primeiro, espera sem o medo de ganhar raízes à espera e/ou levar uma tampa.
- Vai ser um prazer revê-los para relembrar-mos juntos as aventuras do 9ºD. Podes ter a certeza que irei estar presente, já agora este é o meu número e o meu email – Elijah deu-lhe o seu cartão de visita, feito mais por vaidade do que por necessidade.
- Não tens whatsapp?
- Não…..Era suposto ter?
- Se vives no século XXI, podes ter a certeza que sim, mas não te preocupes que depois eu ajudo-te a instalar no telemóvel.´
Após a despedida, ele dirigiu-se para casa acompanhado de uma parte das suas memórias mais queridas e questionou-se sobre quais as memórias que os seus antigos colegas iriam compartilhar. A semana passou mais rapidamente do que ele esperava, tendo decorrido sem incidentes de qualquer tipo; as turmas que lhe tinham sido atribuídas, revelaram gostar verdadeiramente da disciplina, tendo conseguido bons resultados no teste diagnóstico e sendo bem participativos e atentos durante as suas aulas, que para além de ajudar as duas partes a fazer um bom trabalho, aumentava consideravelmente a velocidade a que os ponteiros do relógio passavam.
Sábado amanheceu com um sol tímido, porém dava para perceber que passar o dia ao ar-livre seria agradável, sendo que Elijah não perdeu tempo, e saiu de manhã cedo de forma a aproveitar o dia soalheiro que iria estar; as suas memórias com as pessoas que iria encontrar naquela tarde, foram colocados em segundo plano, enquanto se ocupava de umas pequenas compras e de uma visita ao museu de leques.
A esplanada do Rock ´n Cups, era composta por 4 mesas colocadas defronte da montra do café; uma coluna na fachada do café, permitia que os clientes que se encontrassem no exterior desfrutassem dos temas que compunham a lista do “Rock da Semana”, sendo que alguns aproveitavam para dançar enquanto esperavam pelos seus pedidos. Por outro lado Elijah, ocupava o seu tempo a tentar, sem sucesso, desconstruir os rostos das pessoas que o rodeavam para os rostos dos adolescentes que um dia, tinham percorrido consigo os corredores do South-Easth Highschool. Passavam quinze minutos da hora marcada, quando Jessica chegou com o seu habitual sorriso caloroso.
- Espero que não estejas aqui há muito tempo. – a simpatia dela, tinha sido a característica principal que a tornava especial, de acordo com quem convivia com ela.
- Cheguei há relativamente pouco tempo e tomei a liberdade de pedir dois cafés e dois brownies!
- Oh, Elijah! É incrível como mantiveste essa qualidade de pensar sempre e se importar com o bem-estar dos outros!
- Para uns é uma qualidade, para outros é um defeito, e a vida continua nessa dualidade de opiniões, que sempre têm algo a dizer sobre tudo e que nunca levam a lado nenhum.
- Não é possível agradar a toda a gente, mas o mais importante é não nos deixar afetar nem pelas opiniões positivas nem pelas negativas, e continuar a seguir a nossa vida de acordo com os nossos padrões e ideais.
- Devias ter enveredado pela área de filosofia, para que mais gente pudesse ser agraciada pela tua forma de pensar, e atenção, não estou a ser irónico – Elijah começara a dar estes “avisos”, quando alguns comentários ou respostas tinham sido interpretadas de uma forma incorrecta na universidade. – Já agora, só convidaste a Sally e o Drake?
- Parece que essa tua curiosidade ainda não conhece limites. Vou dizer-te as pessoas que por algum motivo, que desconheço e sinceramente não quero saber, não puderam comparecer ao nosso encontro: o Neil Evans; o Scott Davies; a Anna Cooper; a Christina White e o David Carter. De resto, é uma incógnita se vem mais alguém, tirando a Sally que foi a primeira a confirmar e que me ajudou a procurar os nossos antigos colegas. É engraçado, como na era das tecnologias e das redes sociais, nem todas as pessoas da nossa geração possuem pelo menos uma conta numa rede social, seria tão mais fácil estabelecer o contacto com quem não vemos há um par de anos…
- É mais uma situação a ser discutida pela dualidade de opiniões, temos meio mundo a achar muito divertido ser ativo em todas as redes sociais possíveis e imaginarias, e outro meio mundo a repelir qualquer tipo de contacto com o mundo virtual.
- Por falar nesse meio mundo, mandei-te um monte de mensagens para o Facebook e tu não te deste ao trabalho de responder porquê?
- Decidi deixar as redes sociais de lado, para me concentrar na faculdade e só o usava para jogar e ver posts de páginas de humor, ou seja, nada de interessante.
- É apenas mais uma utilização, entre milhares…. – Jessica interrompeu a conversa, quando se apercebeu da chegada dos colegas e depois de os cumprimentar foi procurar cadeiras livres nas mesas vizinhas.
- Quem diria que ficarias tão bem parecido! – exclamou Sally, enquanto olhava de olhos arregalados para Elijah, como se este fosse um vestido de designer. – Não acredito! Vestiste um fato de propósito para a ocasião.
- Lamento desapontar-te, mas na verdade, costumo vestir-me assim. Gosto de estar pronto para uma eventual entrevista de emprego…
- Dizem que um homem prevenido vale por dois, e tu pareces ser a prova viva. – apesar da amizade que os unia, Drake sempre tivera um ligeiro ciúme de Elijah, pois este sempre era considerado o melhor no que fazia e não interessava o quanto ele se esforçava, que os seus esforços nunca eram reconhecidos. – E essa prevenção toda levou-te aonde?
- Depois de ter acabado o liceu, consegui uma bolsa na Universidade de Oxford, e na faculdade fiz alguns contactos valiosos, sendo que um desses contactos me arranjou uma entrevista no prestigiado colégio de St. Peter´s, e então este ano serei um dos professores de História…
- E um excelente professor, já agora. O Jason está sempre a contar-me novidades sobre as aulas de História, seja o modo fácil como o professor explica a matéria, seja os conselhos e lições que lhes transmite e até curiosidades históricas. – o sorriso teimava em ficar no rosto de Jessica, sempre que esta falava de Elijah. – Estás de parabéns pelo excelente trabalho que estás a realizar.
- Se não é para nos empenhar-mos e fazer um bom trabalho, então porque decidimos fazer?
- Talvez, porque algumas pessoas se preocupam mais em ter dinheiro para viver e sustentar a família, do que seguir essas tretas filosóficas
- Apesar de não ter família, entendo perfeitamente que algumas pessoas não têm opção quando se trata de escolher uma profissão, devido às prioridades presentes nas suas vidas. Mas chega de falar de mim, o que é que vocês têm feito desde o fim do liceu?
Jessica concordava com o ponto de vista de Elijah e confessou que apesar de sempre ter desejado seguir a carreira de atriz, viu-se “obrigada” a aceitar um posto multifunções no supermercado do seu bairro, e depois do trabalho era empregada de limpeza num escritório de advogados; Sally seguia os seus sonhos e ser enfermeira e recentemente tinha sido nomeada enfermeira-chefe, após ter concretizado o seu sonho profissional, a jovem enfermeira encontrava-se agora dedicada a cumprir o seu desejo de ser mãe, pois sentia que as badaladas do seu relógio biológico, anunciando o fim do tempo propício para a gravidez, soavam no interior do seu ser; Drake parecia um salta-pocinhas, saltando de emprego em emprego, através das empresas de trabalho temporário, e em todas as empresas que ficava sempre arranjava sarilhos com algum colega, por achar que “empurravam” o trabalho todo para ele, (Elijah e as suas colegas ficaram visivelmente chocados, com o ar natural e o há vontade dele, ao contar as inúmeras tentativas de ficar num trabalho por mais do que 15 dias).
O resto da tardem foi simultaneamente ocupado de pequenos snacks e histórias do liceu, resgatadas dos recantos da memória e aprimoradas com pequenos detalhes que conferiam um certo rigor aos acontecimentos; Elijah não se cansou de pedir desculpa a Sally, por um dia ter arrebentado as pulseiras que tinha sido um presente da avó dela. A jovem por sua vez, lembrou-se de quando ele, aproveitando uma distração, lhe tirou o telemóvel e apagou todos os contactos que conseguiu.
- Arrependo-me profundamente desses atos de estupidez extrema. – os olhos de Elijah, estavam lacrimejantes e não tardou muito para a sua face ficar humedecida.
- Esses momentos ficaram no passado, não podes continuar a martirizar-te para sempre. – num gesto honesto, a amiga limpou-lhe as lágrimas que tinham começado a escorrer pela cara do jovem professor. – O que está feito, feito está, e agora temos que continuar a alimentar a amizade que nos une.
- Eu bem tento deixar para trás, mas não havia motivo nenhum para ter agido como um idiota. Não me consigo lembrar de um acontecimento negativo em que eu não estivesse envolvido.
- Sabes que estás a exagerar certo? Todos passamos por bons momentos e tu eras a principal razão. – Jessica juntava-se à causa de Sally, para tentar afastar os “traumas” de Elijah.
- Pago o lanche, se me disserem 5 bons momentos em que eu tenha sido a causa inicial.
- Lembro-me muito bem de quando íamos para a biblioteca jogar Uno, e tu e o William combinavam aquelas jogadas loucas que nos faziam rir a todos e até a Miss Philips se ria. – Jessica concentrou-se em fazer a sua melhor imitação de “O Pensador” de Auguste Rodin, o que lhe valeu alguns aplausos e ser fotografada por quem rodeava a mesa do grupo. – No aniversário do William, vocês dançaram feitos uns maluquinhos…Deixa eu ver mais…Ah! E aquela vez, no British Museum quando corrigiste a guia sobre um facto histórico qualquer, na altura todos pensamos que apenas querias atenção, mas depois descobrimos que estavas correto e passas-te a ser apelidado de “professor”.
- Todas as aulas de Química eram divertidas, pelo simples facto de estares lá. – Drake pareceu despertar do transe, em que tinha sido colocado por uma das dezenas de jogos que tinha no telemóvel. – Tinhas o incrível dom de conversar sobre a matéria e fingir alguma dúvida, até Ms. Wilkinson se esquecer de marcar os trabalhos de casa.
- Os concertos e as orquestras improvisadas, que tu fazias, ou melhor, que o maestro Shumway liderava eram, sem qualquer tipo de dúvida, os momentos altos das aulas de música. – essa era uma das memórias preferidas de Sally, por graças a essa brincadeira, Elijah tinha-lhe ensinado a ler uma pauta musical.
- E aquela vez…
- Já me deram 5 momentos e é hora de eu ir cumprir o que prometi. – Elijah levantou-se e durante o caminho foi limpando as lágrimas; os três continuavam a descobrir mais memórias felizes que tinham partilhado com ele.
Enquanto estava na fila para pagar, o professor interrogava-se se os seus amigos tinham dito realmente a verdade ou se tudo tinha sido uma invenção para que ele se sentisse melhor; os seus pensamentos foram momentaneamente interrompidos pelo esvoaçar do cabelo da jovem que se encontrava à sua frente, esvoaço esse que soltou um doce perfume afrutado, que o transportou para o meio de um parque, quando as flores, numa explosão de cores e perfumes, começam a desabrochar anunciando assim o início da primavera; a voz da rapariga revelou-se ser de uma doçura tal, que dava a impressão de que as suas cordas vocais eram feitas de veludo. Quando a jovem se virou, Elijah reparou no olhar singelo dela e ficou completamente abismado, os olhos dela eram de um verde suave que transmitia paz e a promessa de que quem ficasse admirando aquele lindo olhar por horas a fio, de minuto a minuto ia encontrar mais motivos para o ficar admirando por mais um par de horas; os seus olhos, assemelhavam-se aos olhos de uma criança que vê o mundo inocentemente, e dava até vontade de a envolver num abraço apertado para a proteger dos males que assolam o mundo. O jovem professor ficou tão maravilhado com a beleza da rapariga, que não lhe conseguiu perguntar o nome ou perguntar-lhe se ela estaria interessada num encontro, e arrependeu-se desse acanhamento no momento em que a jovem cruzou a porta.
Durante a despedida, o desejo de se voltarem a encontrar estava bem presente e desta vez todos estavam empenhados na tarefa de reunir a turma completa, mas infelizmente, esse empenho foi-se desvanecendo há medida que a vida e as suas inerentes responsabilidades foram ocupando a mente de todos. Jessica não deixou Elijah ir embora sem antes lhe instalar o whatsapp, porque como ela tinha dito, era mais fácil manter o contacto e por outro lado, era a forma mais rápida de ela poder ter notícias do seu filho; o jovem professor não sabia se a sua amiga tinha reparado que ele tinha ficado caidinho pela cliente misteriosa, e questionava-se se esta era uma amiga de Jessica e ele era um mero peão nos planos dela para tentar juntar as pessoas que achava que combinavam, (até à data, nenhum casal que ela juntara continuava junto, porém, não desistia para que no casamento pudesse dizer orgulhosamente que tinha sido ela a responsável). Elijah sabia que a amiga lhe tinha colocado nas mãos, uma ferramenta que lhe permitiria conhecer mais pessoas e sair daquele estado letárgico em que se encontrava, e estava disposto a encontrar aquela bela jovem, nem que para isso tivesse de entrar em todos os grupos existentes na aplicação

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