Embora houvesse indícios da existência de seres malévolos em relatos anteriores de outras culturas antigas, os mitos de Morrigan, Lâmia e Lilith estariam (...) entre os mais elaborados. Uma primeira tentativa sofisticada dos antigos em demonstrar o alcance dos poderes da escuridão. Cada qual representando respectivamente uma faceta específica e complexa da maldade, que viria a compor o perfil moderno das criaturas das trevas em geral, e do vampiro em particular: o ser mau enquanto forte e poderoso - um anjo vingador; o ser mau enquanto injustiçado e sofrido (abatido por uma tragédia que o transformou); e o ser mau manipulador, malicioso e inescrupuloso, que faz pactos perversos direcionados ao próprio prazer e à corrupção dos inocentes. Será que tudo isso nos é familiar? Estamos falando de demônios, fantasmas e vampiros.
O mito do vampiro parece ter se desenvolvido na maioria das culturas primitivas representando, por um lado, a necessidade de explicação para a existência do mal; e por outro, o contraponto/negação do lado destrutivo e perverso que existe em todos nós, seres humanos; valendo-se, para esse fim, de elaborações mágicas nas quais esta e outras facetas humanas pudessem ser representadas, ou projetadas.
O modelo explicativo-mágico destilou uma função política importante por meio das alegorias em geral, enquanto portadoras de aspectos positivos e negativos da personalidade. Para os antigos, os mitos tinham força de lei.
De um modo amplo, as criações míticas eram extremamente atraentes - por explicarem eventos da natureza (para os antigos); por estarem envoltas em mistério (para nós, na atualidade); e por apresentarem elementos emblemáticos e metafóricos, que compilariam situações com as quais as pessoas se identificam em determinados momentos de sua vida. Ou, ainda, serviriam para lhes sinalizar as regras e as consequências de suas transgressões.
As criaturas das trevas, por exemplo, que representavam tudo o que fosse monstruoso, podre, devasso, ao contrário de ameaçarem a ordem social, como ingenuamente acreditamos, parecem ter desempenhado importante papel de controle.
Elas atuariam como assustadoras placas de trânsito, onde estaria escrito PARE, com letras garrafais. Tornar-se-iam instrumentos que garantiriam a ordem, compelindo os agrupamentos humanos (através do temor do homem frente ao desconhecido) a manterem rituais purificadores e de proteção - os quais seriam perpetuados e revitalizados pela cultura. Esses rituais, paulatinamente impressos no inconsciente coletivo, longe de afastarem as criaturas malignas, visavam combater o desvirtuamento do próprio ser humano; eles constituiriam um dos componentes principais do tão decantado duelo entre o bem e o mal, que assentava os valores morais e éticos na comunidade. Desta maneira, sustentariam a força de lei dos mitos, por meio de práticas que punissem ou salvassem as pessoas - tratando, em última instância, de manter os indivíduos unidos em torno de certos ideais e modelos de conduta.
Assim, dentro da estrutura da ordem social, alguns tipos específicos de comportamentos ficariam definitivamente vinculados ao pecado ou à virtude.
A ordem determinaria, ainda, que certas atividades independentes, ou liberais demais, deveriam ser tratadas como pecaminosas. Os humanos deveriam entendê-las como uma viagem perigosa a um patamar finalístico desconhecido - a encruzilhada onde a alma se perderia por toda a eternidade.
Era necessário, portanto, que o povo temesse conhecer o desconhecido. Simbolicamente, o conhecimento (sobre si próprio e sobre o poder de sua decisão pessoal), residia no lado proibido da fronteira desde antes que Pandora abrisse a caixa... O ato de conhecer, quando não convinha às lideranças reguladoras, seria taxado como ameaça ou perversão.
Naturalmente havia regras explícitas e implícitas para o exercício da cidadania, para o acesso aos estudos, para o status atribuído aos diferentes ofícios, para o casamento, para o concubinato, para a administração dos bens, para lidar com a saúde e a doença, etc. Mas estas regras eram orientadas por uma ordem social primitiva que, ainda hoje, sustenta a estrutura da sociedade e a dinâmica dos valores do bem e do mal que nos comanda.
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