-Trazer as coisas dela foi uma péssima ideia - comentou uma voz grave, ligeiramente rouca e muito... Muito familiar.
Era ele!
-Talvez sim, talvez não...
Levei alguns segundos para identificar outra voz como sendo a do Dr. Barringer. Aquilo era um sonho? Eu me sentia tão grogue.
-O funcionamento da mente humana é um mistério fascinante, meu caro. Teremos de lidar com os acontecimentos a medida que forem surgindo. Mas uma coisa é certa, ela não poderá permanecer indefinidamente na ignorância. Por mais que nós desejemos protegê-la... um dia ela vai se lembrar.
-Ela não está preparada – protestou Adriano.
-Para encarar os medos dela? Porque é disso que estamos falando aqui, não é? - o tom foi ligeiramente irônico - Não concordo. Acho que ela deve enfrentá-los para superar o trauma. Há riscos, mas não poderemos mais nos esquivar deles.
-Está insinuando que eu não quero que ela se recupere? - houve uma pequena alteração na voz grave, que denunciou o seu aborrecimento.
-Acho que você está tentando manter as duas coisas... - o outro respondeu, enigmático. - Mas isso é impossível.
-Os gatilhos das alucinações parecem ser bastante complexos - interveio uma terceira voz, um pouco nervosa; parecia ser a do Dr. Talbott. - Estou investigando todas as patologias que podem se encaixar aos sintomas de Melissa, mas não consigo chegar a um diagnóstico contundente. Conhecendo os fatos, podemos compreender a origem alucinatória do monstro alado. Mas em termos neurovegetativos, vou precisar de uma opinião sua, Adam. Você acha que nós devemos...?
-Ela está acordada - interrompeu Adriano.
Como ele sabe? Nem me mexi!
Os médicos silenciaram a discussão. Ouvi o som de passos abafados pelo carpete e deduzi que se aproximavam da cama. Eu não podia mais adiar o inevitável. Assim, com um suspiro resignado, abri meus olhos.
Adriano posicionou-se à cabeceira da minha cama, com os outros dois um pouco mais afastados. Os olhos dele, mesmo através das lentes sombreadas, deixavam transparecer grande preocupação. Ele envolveu o meu pulso e o contato fez meu coração acelerar. Surpresa, me sentisse mole, sem energia... O local onde ele tocava começou a formigar – foi então que notei: ele não estava de luvas. Não pude entender como um simples toque podia produzir aquele efeito. Mas acho que era isso mesmo o que estava acontecendo. Uma corrente elétrica passava da sua mão fria para o meu braço, dominando meus sentidos, deixando-me fraca. Eu me sentia muito estranha.
Acho que ele adivinhou o que se passava comigo, ou talvez o choque o tenha atingido da mesma forma, porque rapidamente me soltou. Contudo, ao invés de se afastar, ele se inclinou vagarosamente na minha direção como que compelido por uma força invisível. A expressão de seu rosto era de extrema concentração, enquanto seus olhos dominavam os meus.
Uma súbita tensão se apoderou dos meus músculos, como se daqueles olhos hipnóticos irradiasse uma ameaça iminente. A impressão que eu tinha era de que esse perigo, na falta de uma definição melhor, fazia parte da sua natureza...
Definitivamente, eu estou ficando louca! Só o fato de ver criaturas aladas já era suficiente para atestar o fato.
-Como se sente agora, Melissa Baker? - ele murmurou, com os lábios a poucos centímetros da minha face... seu hálito frio fez cócegas na minha bochecha.
Ouvir aquela voz dizer o meu nome de maneira tão suave, apagou todas as sensações anteriores. Foi como um bálsamo. Como se, antes, algo que eu não compreendia estivesse no lugar errado. Agora, porém, tudo estava no lugar certo. Independente de qualquer natureza oculta, a essência daquela voz era benigna – eu podia confiar nela.
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