Homem de preto.

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— Kate, dá para você parar de bater o pé. Está me irritando — se pronunciou meu pai erguendo os olhos, estava concentrado demais relendo o contrato pela terceira vez. Queria ter certeza que estava tudo certo.

— Posso sair? — falei, rapidamente. Ainda batendo o pé no chão com intenção de irrita-lo, e então, me dar a oportunidade de deixar eu visitar o bairro. Não que eu estivesse com vontade de realmente fazer isso, eu apenas quero sair dessa casa que cheira a mofo e gente velha. Não entendo o porquê de meu pai sempre escolher essas casas antigas que parecem que meus tataravós moraram aqui. Estou exagerando? Talvez. Contudo, qualquer pessoa odiaria morar aqui, a não ser que fosse um velho, claro, ai você vai passar o dia cuidando do jardim. O que eu, obviamente, não vou e nem quero fazer.

— Kate. Ainda não conhecemos este bairro, então, não vá muito longe. Fique nas redondezas, qualquer coisa suspeita volte para casa ou ligue para policia. Entendeu, Kate?

— Sim, pai — revirei os olhos e virei de costas. Encaixei meu fone no celular e coloquei na primeira música da playlist em modo aleatório.

Já estava entardecendo quando resolvi sair. O céu era dominado por um completo azul. De um lado já era escuro e do outro já mais claro. Alguns passarinhos sobrevoavam o céu e outros estavam pousados no fio. A rua quase deserta, se não fosse alguns carros estacionados. Era um bairro bonito. Todas as casas tinham seu toque antigo. Porém, não deixavam de serem bonitas, já que os jardins eram bem cuidados, as que possuíam cercas estavam em ótimas condições. No geral, quase todas as casas pareciam semi-novas. A não ser, a minha. O jardim parecia ser um cemitério, estava morto, não existe cerca, os vidros arranhados, gastos, restaurados dum jeito relaxado. Por que meu pai sempre escolhe a pior casa do bairro?

— Que droga, garota. Dá para você olhar para aonde anda? — disse um garoto pálido, de quase dois metros de altura e cabelos castanhos. Era lindo, meu deus.

— A-ah, desculpa. Eu estava distraída — mal pude me desculpar. O garoto continuou seu rumo para seja lá aonde estivesse indo. Que arrogante. Eu tinha que olhar para baixo para trocar a música que tocava, não posso fazer nada se ele não me viu.

Senti um vento gélido passar por mim, desejei ter trazido um casaco. Quando notei, já era escuro. As luzes dos postes começavam a acender, as casas acendiam suas luzes e a rua estava ainda mais deserta. Dei meia volta e comecei a voltar o caminho, eu havia ido para muito longe. Que droga! Olhei para a tela do meu celular que indicava 3%. Ah, legal. Acho melhor eu andar um pouco mais rápido. Antes mesmo que eu pudesse visualizar se tinha mensagem, meu celular já havia acendido a tela preta e desligado completamente.

— Kate, você é uma idiota — sussurrei para mim mesmo. Escondi meu celular na barra da calça e coloquei os fones no bolso de trás. Olhei para trás com a horrível sensação de estar sendo perseguida. Não havia nada, entretanto, ao olhar para frente. Um homem vestido com calça e moletom preto com capuz estava apoiado na cerca com as mãos no bolso. Confesso, eu estava com medo. Com muito medo. Qual é, eu sou uma garota de dezessete anos de idade, tenho no máximo 1,60 de altura. Alguém poderia facilmente me raptar ou algo assim.

Atravessei a rua, na tentativa de não chegar perto daquele estranho homem. Entretanto, acho que isso de certa forma chamou sua atenção. Vi ele se desapoiar da cerca e de cabeça baixa começar a andar na mesma direção que eu. Seus passos eram lentos e ele parecia propositalmente fazer som com os pés ao andar. Andei mais rápido na tentativa de chegar mais rapidamente em casa. Desejei nunca ter saído de casa. Desejei ter obedecido meu pai e não ter ido longe.

Por que parece que quando estamos com pressa tudo parece ir mais devagar? Minha casa parecia não chegar mais. Meu coração acelerou quando as luzes da rua começaram a piscar. E então, um blackout no bairro. Ótimo. Destino conspirando contra mim. O homem continuava a andar na mesma direção que eu. A lua era a única coisa que iluminava. Quando vi minha casa atravessei praticamente correndo a rua. Quando entre em casa, minhas mãos tremiam tentando trancar a porta o mais rápido possível. Eu até olharia pela janela, mas se aquele homem tivesse na frente da minha casa eu não sei o que eu faria. Virei-me rapidamente ao ouvir o som da respiração vindo atrás de mim.

Dei um berro ao me deparar com uma silhueta alta. E

— Kate! Sou eu! — disse meu pai tentando me acalmar. Ele apontou a lanterna para mim me cegando, fechei os olhos — O que aconteceu? Você está pálida. Aonde esteve? Tentei te ligar. Eu estava indo atrás de você!

— Nada demais — menti. Dizem que sou péssima mentirosa, mas, eu apenas sei mentir tão bem que ninguém nunca descobre a verdade — Eu tive que vim correndo. Eu estava sentada no beira-fio ouvindo música e quando as luzes apagaram eu vim correndo. Meu celular acabou a bateria. Eu já te disse. Ele está muito antigo.

— Tome esta lanterna — antes que eu pudesse pegar as luzes se acenderam, ele recuou com rosto de decepção — Agora que a luz voltou vá tomar um banho e então dormir. Você tem aula amanhã. Vou te levar.

Não falei nada, apenas subi as escadas em silêncio. Tomei um banho quente, bom, pelo menos o chuveiro funcionava e fui me deitar. Comecei a olhar para a parede do meu quarto, imaginando como o faria. Daria meu jeito. Dormi com a janela aberta, para aquele cheiro sair do meu quarto e eu me distrair com o som das folhagens batendo com o vento. Apesar de ser frio, nada que várias cobertas grossas não resolvessem.

Me lembrei daquele garoto que vi mais cedo. Ele era bonito. Por alguns segundos me imaginei beijando aqueles lábios carnudos, mas então, lembrei que tinha beijado apenas um vez na vida e que isso seria desastroso.

E então, aquele cara de preto. Será que ele ia fazer alguma coisa comigo? Será que ele pretendia?

Eu estava com medo. Não sairia sozinha tão cedo novamente.

Infelizmente, amanhã vem a escola e tudo se repete. Todo ano a mesma coisa. Já aprendi a lidar com isso de tanto que estive me mudando de cidade.

Lost In Dreams - Shawn Mendes - PT/BROnde histórias criam vida. Descubra agora