A Corte

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Os raios do sol banhavam o meu quarto, a luz passando pelo dossel, tingindo meu cobertor de rosa. Levanto preguiçosamente e troco de roupas. Um vestido salmão pastel com detalhes em dourado fora preparado para mim. Vesti-me. Olhei para os sapatos de seda que me separaram. Muito apertados. Machucavam meus dedos. Pedi, colocando a cabeça para fora da porta, uma bacia com água quente. Assim que ela chegou, lavei meus pés e, em seguida, lavei minhas meias e minhas botas de caça. Pediria para um sapateiro fazer alguma coisa mais apropriada do que aquele embrulho de seda rosa depois.
Desci as escadas, tentando esconder que estava descalça o máximo que pude. Ao chegar ao hall, todo florido e cheio de pessoas da corte, percebi olhares sobre mim. Algumas moças riam discretamente, as senhoras me olhavam de cima a baixo, com rispidez no olhar, e os rapazes começavam a cochichar entre si. Os lordes, homens de todas as estaturas, muito bem vestidos, como todos os outros residentes da corte, acenavam, interessados. Terminei de descer os últimos cinco degraus. Um guarda na escadaria me fez uma reverência. Eu retribui como sempre fiz.
- Bom dia. Bom trabalho.
Então, um silêncio que eu não tinha percebido ter se formado, foi quebrado com borburinhos e cochichos indiscretos. "Ela fala com a ralé! Quanta audácia!", "Olhe como os olhos dela reconhecem um matador.", "Seus seios deveriam ser maiores, não, ela parece ser muito magra para a idade dela, deve comer muito pouco, pobrezinha." Me senti esmagada, sufocada. Uma dama, sendo acompanhada por mais duas, veio em minha direção com o nariz erguido, abanando um leque com detalhes em ouro. Parou na minha frente, atrapalhando meu caminho. Olhei em seus olhos. Cor de lama. Branca como neve, lábios pintados de amarelo, acima do peso. Uma queda a machucaria bastante. Talvez  colocasse esse nariz no lugar.
-  Bom dia milady. Meu nome é Jolie Ham...
- Está no meu caminho, por favor, saia, preciso me apressar.- Interrompi. Seus olhos se arregalaram. Provavelmente era muito bajulada. Demais para o meu gosto. Contudo, ela não se mexeu.
- P-perdão?
- Você está no meu caminho. Tenho prioridades para tratar.- Ela engasgou mais um pouco, mas fez uma expressão surpresa e tentou continuar a conversa.
- E que prioridades são essas? Podemos saber?- Disse, abanando o rosto gordo.
- Preciso matar uma porca gorda para o café.- Chego mais perto dela, discretamente puxando a ponta do vestido para debaixo do seu salto com os dedos do pé.- Seria você uma possível candidata?- Ela nem pensou. Saiu andando rapidamente... Até tropeçar no vestido e cair de cara no chão. Ouço um barulho de algo quebrando. Seria o corpete dela... Ou seu nariz?
Um guarda vem se aproximando. Eu pulo para fora do caminho, olhando diretamente para sua lança. Meu coração está acelerado, minha mente focaliza nas fendas da armadura. Quando percebo que ele apenas vai checar a moça, eu respiro. Olho em volta. Os olhares que não perfuram a carne gordurosa de Jolie me atiram flechas por sobre as cabeças. Saio apressada pelo hall, sendo barrada por senhoras de rosto macilento, empurrando-as até chegar no salão em que eu havia almoçado na noite passada.
Entro apressada e fecho a porta com as costas. Estou suando. Meu coração palpita.
Estou com medo.
Desde o momento em que eu pisei os pés no assoalho deste castelo maldito. Eu só senti medo.

Somente medo.

Detesto isso.

Ser essa garotinha medrosa.

Detesto isso.

A tarde veio, e o hall se esvaziou.
A grande figura em dourado do rei Jeremy olhava para uma tapeçaria, contemplativo.
Me aproximei.
Ergui os olhos timidamente para o rei. Ele sorria abertamente.
- Bom, querida. O que deseja?
Respirei fundo.
- Vossa excelência, me perdoe pela minha ousadia, mas gostaria de poder utilizar mais um quarto.
- Ora, querida, agora você terá de me perdoar pela minha curiosidade. Por que?
- Eu precisava de um espaço para dançar.- A majestade sorriu. Pode-se definir "dança" de duas maneiras: Dançar como bailar. E dançar como lutar.
Essa última é conhecida como um código militar.
- Uma dama tão bela, tão delicada, treinando para a arte da guerra?- Senti-me analisada de cima a baixo pelo Soberano.- Sorte sua que eu aprecio todas as formas de arte.- Ele disse seguindo uma gargalhada.

Dinastia Dos LobosOnde histórias criam vida. Descubra agora