Capítulo 1. Poeira

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O barulho do écler das malas e os seus choramingos pelos corredores da casa era a única coisa que se escutava, sua mãe já estava cansada de consola-la agora era ela que precisava de um ombro para lhe dizer que estava tudo bem. Mudar-se para Salvador era a última coisa na lista de improbabilidades de Rafaela, mas como você já deve ter percebido as coisas não acontecem da forma que desejamos e nos últimos três meses tudo aconteceu assim para a nossa personagem: o terrível dia, a demissão de seu pai, dívidas como uma bola de neve – o que o fizeram perder a casa e precisar retornar a casa dos seus avós maternos – retornar não é a palavra certa, pois toda a sua ida para Bahia não passava de férias de verão, e agora... E agora... A duração da sua permanência é uma incógnita.

As caixas de papelão estavam devidamente lacradas, só havia um livro em cima de uma caixa – na tentativa dela finalmente concentrar-se em algo e consegui terminar de ler – e os colchões no chão para passar a última noite na casa. Os olhos de Rafaela percorriam pelos cantos das paredes, a tinta descascada revelava histórias, podia-se ouvir as vozes que já ecoaram naquele espaço, apertou então os lábios para poder conter as lágrimas, mas de repente ela já não se controlava mais, suas pernas batiam contra o chão, suas mãos fechadas como punho cerrado como forma de controle sobre si, e mesmo assim a força da água é mais forte do que as nossas barreiras e derrubam as muralhas interiores, e este era exatamente o mesmo motivo por qual ela chorava, será que ainda havia algo que ela pudesse deter? Será que ainda havia algo que ela pudesse controlar? Sua mãe se aproximou com uma xícara de café fumegante como forma de consolo, embora também abatida juntou-lhe os seus pedaços para se doar para filha.

- Seu pai ligou, ele precisou acertar algumas coisas, mas em breve chega, ansiosa pela viagem? – Sentou junto com a filha.

- Nem um pouco, não tem nenhuma opção da gente ficar aqui?

- Você sabe que não, já conversamos sobre isso, com a nossa mudança para lá vamos reduzir os custos, e vamos poder pagar algumas dívidas e seu pai vai trabalhar com o seu avô. Sei que esse não era o que você esperava como um presente de 18 anos, mas vai ficar tudo bem! – deu um beijo na testa da filha – Eu te amo!

- Eu também te amo! – deu um gole no café – obrigada pelo café, vê se guarda nossa cafeteira, viu? Não podemos esquecer nada aqui. – ela deu uma pausa, pois sabia que algo mais precioso que uma cafeteira permaneceria, o seu coração. – Enfim, mãe já vou dormir.

- Não vai esperar seu pai?

- Não, ultimamente ele tem chegado muito tarde! – deu de ombros e se jogou no colchão, puxou o edredom para si pedindo a mãe para desligar a luz ao sair. O amanhã breve chegaria e ela precisava recarregar as forças para enfrentar.

Nenhum pai ou mãe gostava de ver a sua filha da forma que Rafaela estava, mas Gustavo e Fabíola entendiam que há coisas que são inevitáveis que pai ou mãe não poderia prever ou proteger, e engana-se quem pensa que o cordão umbilical é cortado ao nascer, é todo dia e naquela noite eles entenderam que era mais um momento para usar a tesoura, então, por fim ainda tinham a esperança de que realmente Salvador fosse um novo capítulo sendo escrito na vida deles, mas o que não sabiam é que não seria um capítulo somente, porém toda uma história.

E o que é uma história? É mais que a protagonista deixando os livros caírem no corredor e alguém vem, ajuda e juntos vão tomar um sorvete e ganhar uma placa de alma gêmea até a eternidade, história é a superação aquém da noite de lágrimas, é o que cada um escreve todo santo dia, porque todo dia é santo. História são linhas que se encruzam, costuram-se uma na outra, perpassa o corpo junto com as agulhas da vida e inevitavelmente dói, mas sempre cooperando para o bem. 

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