Um

5.4K 525 115
                                    

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.


"Sei que sou sólido e são,

para mim num permanente fluir

convergem os objetos do universo;

todos estão escritos para mim

e eu tenho de saber o que significa

o que está escrito."

Walt Whitman.


Eu já me fodi muito na vida. Por mais que eu tentasse agradar os outros, nunca fui o suficiente: era sempre gorda demais, esquentada demais, meus cabelos escorridos demais, meu nariz largo demais, meu apetite escandalizava as pessoas. Eu precisei de muito tapa na cara para aprender que o problema não era comigo. E, cara, a melhor coisa que eu fiz foi me aceitar como eu era: gorda, esquentada, com a boca suja e amante de massas.

E se não gostassem de mim, eu só tinha um recado: non rompere i miei coglioni, stronzo.

Claro, tanta merda acabou me deixando um pouco traumatizada, mas nada que eu não pudesse lidar. Por exemplo, mesmo com o casamento fatídico dos meus pais, eu ainda acreditei que os casais podiam dar certo, inclusive namorei, noivei e quase casei. Mas, como a minha experiência dentro daquele relacionamento também foi doentio, acabei perdendo a fé que um dia eu encontraria alguém.

A ironia disso tudo? Eu era cerimonialista. Em minha defesa, eu achava uma gracinha quem queria se casar, e quem tinha um bom casamento, mas eu, eu, Chiara Castiglione Hirsch não me envolveria mais. Só deu merda quando tentei e eu tive provas o suficiente que a minha família tinha algum carma para relacionamentos ruins.

E ali estava eu, preparando tudo para o casal Hawley comemorando as bodas de coral. Isso mesmo. Trinta e cinco anos de casado. Vou repetir: trinta e cinco anos se aturando, brigando, berrando, jurando pedir divórcio, reconciliando, viajando, compartilhando histórias, e ainda assim, a forma como Richard Hawley olhava para a esposa, arrancava suspiros de qualquer cidadão.

E, para comemorar, Ella Hawley não quis economizar em nada, nem para nos levar ao Havaí e fechar boa parte da Lanikai, em Oahu. Depois da cerimônia eu passaria mais uma semana por lá para ver se pegava uma corzinha. Estava comendo até mais cenoura para ver se a minha melanina entendia que precisava funcionar, porque eu não ia torrar no sol para competir com os camarões. Não mesmo.

Observei Richard enquanto ele me entregava uma caixinha, e de novo tive aquela sensação de que o conhecia de algum lugar, mas não conseguia ligar seu rosto ou voz a alguma coisa. Mas eu sempre tinha um pressentimento ruim quando ele estava perto, o que era ridículo, porque o cara era o máximo.

Chiara Castiglione (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora