Olhos e guerra

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Fui ensinado sobre a natureza de ser quem sou, sobre ter uma autodefesa acoplada no meu sangue e sobre como eu devia me pôr sempre em meu lugar, que aquela altura, mesmo de pouca idade, já era acima de muitos.  Também me falaram de um sexto sentido defensor que me protegeria, mas na verdade ele só serviu pra inflar meu ego ao ridículo.

Nasci corvo e por isso já nasci um carniceiro cruel, roubando comida da boca da mãe antes mesmo de abrir os olhos. E quando finalmente atingi a idade suficiente para voar para fora do ninho, nunca consegui dar mais do que algumas voltas ao redor da arvore, voltando logo em seguida para repetir o mesmo ciclo violento. 

Tinha honra, mas não era justa, segui uma causa nunca significou nada. E as ideias que tive nunca mudaram o mundo. Tomei o que desejei, vesti mascaras brilhantes  para enfeitar a escuridão das minhas penas.  e no fim do dia, chamei de instinto de sobrevivência.

O mesmo extinto que me custou um olho. O que ironicamente, me fez enxergar que ao meu redor existiam corvos com dois olhos perfeitamente bons, enxergando menos do que eu. 

Meu bando nunca quis ouvir minha historia de guerra extraviada, pois corvos não perdem. Dizem que eu só tenho talento em aumentar o que sai pelo meu bico, que sei falar frases bonitas como as de uma sereia, nas noites em que procuram algo para afundar. E que se eu não tenho vitorias, não deveria tentar contar outra coisa. eu poderia dizer para refuta-los? Afinal, não é tão fácil acreditar que eu tenha sido tão desnaturado de minhas raízes, a ponto de escorregar. 

Quando confiei e me arrancaram a visão, a culpa foi minha cair no truque ou de quem o criou? E se quem o criou fui eu? Pois ser narcisista também significa ser inocente. Afinal, ninguém que pensa só em si está preparado para o que o outro pensa. Eu não estava. E por isso, quando a traição veio em forma de espelho, foi letal. 

O ego é burro. Como pude  esperar que, dentro de todo um enorme bando de corvos treinados igualmente, eu seria o único a aprender os truques? 

É até mesmo justo que eu veja tudo pela metade agora. Não deveríamos aprender com a dor, mas também acredito que só se entende de guerra quando ela bate na nossa porta e nos obriga a lutá-la. 

BREVES CONTOSWhere stories live. Discover now