Prólogo

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A atmosfera lúgubre reinava naquele salão. O silêncio repousava entre os presentes, que, ordenadamente, marchavam em fila. As velas pelo chão mostravam o caminho. As chamas se misturavam com o vermelho de suas vestes, que não deixavam escapar nenhum centímetro de pele. Os rostos eram irreconhecíveis, tampados por máscaras sem expressão. Tão brancas como o granito das paredes, tão misteriosas quanto o objetivo daquela cerimônia.

Assim que o salão estava cheio, e as pessoas se espalharam ao redor do palanque central, alguém se destacou da multidão. Enquanto se dirigia ao meio, o som de seus passos era o único que reverberava por todo aquele espaço. O silêncio permaneceu, até que a pessoa assumiu sua posição e começou a discursar, revelando então, que se tratava de um homem:

— Meus irmãos, os convoquei aqui hoje, pois acredito que dessa vez achamos nossa mãe. Estamos mais perto de seu corpo, do que sempre estivemos...

Todos os presentes se concentravam no discurso, sendo assim, não prestavam atenção nas cobras que se rastejavam aos seus pés. De repente, uma delas pulou em cima do homem que discursava. Mas, antes que o animal conseguisse feri-lo, um líquido viscoso e vermelho saiu de dentro de sua manga, envolveu sua mão e formou uma lâmina longa e disforme em volta dela.

Com um golpe certeiro, o homem cortou a cabeça da serpente. Enquanto o corpo da cobra se contorcia no chão, ele olhou ao redor. Aonde pudesse ver, seus colegas ou caiam pelo veneno das serpentes, ou lutavam com algumas que subiam em seus corpos, tentando sufoca-los. Mas, apenas uma pessoa de vermelho permanecia parada, sem ao menos ser atingida por qualquer dos animais.

O homem, vendo aquilo, apontou para a pessoa e gritou:

— É um guardião! Ataquem ele!

Assim, os outros se viraram e correram atrás da pessoa mascarada. Porém, antes que a alcançassem, mais serpentes saíram de suas vestes e outras, que se encontravam espalhadas pelo salão, foram a seu encontro. Logo, um círculo de cobras já a protegia.

Mesmo assim, aqueles de vermelho investiam. As serpentes saiam do círculo, atacavam e, assim que conseguiam mais uma vítima, voltavam para proteger quem as conjurou. A pessoa, inabalada, continuava parada, proferindo encantamentos por detrás da máscara. O círculo de cobras parecia funcionar. Já que mais e mais, pessoas sucumbiam aos seus ataques. Até que, sem que ela percebesse, alguém conseguiu atingi-la. Para sua sorte, o golpe apenas atingiu sua máscara. Essa, imediatamente se despedaçou, revelando uma mulher de pele morena e olhos bem marcados pela maquiagem ao redor.

Antes que o atacante conseguisse proferir mais um golpe, uma serpente já o envolvia, sufocando-o enquanto o puxava em direção ao chão. A recém-revelada guardiã, encarou aquele que antes discursava. Imediatamente, o chão ao seu redor começou a se desprender do resto. Grandes blocos de pedra, a rodearam, assim como o círculo de víboras. Um a um, formaram uma redoma em volta dela e dos animais que a protegiam. Quando estava totalmente oculta pela terra, as pessoas de vermelho pararam e observaram, sem saberem como prosseguir. Porém, de repente, toda a estrutura ao redor deles começou a ceder:

— Saiam daqui! — gritou o homem em cima do palanque central.

Imediatamente, as pessoas começaram a conjurar portais, que apareciam em pleno ar. Algumas não tiveram tanta sorte, sendo imediatamente soterradas. Outras eram mais bem-sucedidas, conseguindo escapar ilesas. O homem ao centro do palanque, foi um dos últimos a passar por um portal. Assim, o salão sucumbiu, unindo interior e exterior.

Quando o silêncio voltou a tomar conta daquele espaço, a pequena redoma de terra se desfez. A guardiã saiu de lá de dentro, agora, sem aquele roupão vermelho, sua rara beleza se apresentava. A cabeleira castanha era seu maior atrativo. Uma perfeição em cachos. Triunfante, ela andava pela destruição que havia provocado. Se movimentava ritmicamente, como o rastejar de uma cobra, graciosa e elegante.

Por todo lado, escombros e corpos formavam pilhas e mais pilhas. Assim que a guardiã encontrou um descampado, se virou e contemplou mais uma vez sua obra. Quando estava parada, uma serpente de escamas brancas apareceu do nada, e começou a escalar seu corpo, até que se enrolou em volta de seu ombro. Acariciando-a a guardiã disse:

— Espero que tenha dado certo, Silrah — a cobra sibilou, como se comunicasse com sua dona. — Eu sei que eu não os impedi. Sei que irão encontra-la de qualquer jeito, mas, pelo menos eu atrasei esse encontro. Agora devemos ir, não quero ser pega pela realeza.

Assim, com a serpente aconchegada em seu pescoço, a guardiã deu as costas para a destruição e atravessou um portal, que desapareceu tão rápido, quanto se formou.

Os Guardiões: Parte I - Correntes de FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora