XVIII: A Outra Dimensão

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Felipe demorou para se levantar. Se sentia tonto e tentava se acostumar com a dor na cabeça. Quando finalmente abriu os olhos, viu Amélia a alguns metros à sua frente. A moça estava de joelhos, chorava enquanto proferia murmúrios incompreensíveis. O rapaz tentou se levantar, mas, demorou mais do que imaginava. A tontura era muito grande.

Assim que conseguiu ficar de pé, Felipe olhou ao redor. Tudo estava mais escuro, e, como partículas de poeira, pequenas esferas azuladas voavam para todo canto. Ele não entendeu nada, mas continuou até a moça de joelhos:

— Eu não entendo! Eu o ajudei!

Quando chegou perto de Amélia, viu que ela não estava sozinha. Velava um corpo carbonizado à sua frente:

— Amélia? O que está acontecendo?

— Ele me matou! Eu apenas quis ajuda-lo, quis que ele tivesse clareza. Ele é como todos os outros! Me deixou de lado! Eu que consegui entrar na cabeça de um guardião! Estava quase lá. Quase consegui mostrar para o Aron o mundo que ele poderia construir, junto com o Anjo — o choro da moça era misturado com sua raiva descontrolada. — Ele preferiu você. Eu sabia que Aron nunca me notaria. Mas, pelo menos ele poderia seguir o Anjo!

— O que você fez com ele? Onde a gente está?

— Eu não fiz nada. O Anjo me matou! Eu estou MORTA!

— Espera, se eu estou te vendo... — Felipe olhou para trás, e viu seu corpo caído, no mesmo lugar que segundos antes ele havia levantado.

— Você não está morto. Apenas seu espírito saiu. Aron nunca te mataria, mesmo sob meu controle — Amélia olhou, devagar, para cima. — Eles vieram me buscar.

— Quem veio de buscar?

— Os primeiros guardiões.

Nesse momento, Felipe viu, logo acima de Amélia, dois seres. Um era uma mulher de chifres e pele putrefata. O outro, um ser parecido com uma serpente, que não possuía a parte debaixo do maxilar:

— Um pacto é um pacto — a moça se levantou, e foi até os seres.

— Onde eles vão te levar?

— Não importa. Eu pelo menos esquecerei o sofrimento das ruas. Ou da traição do Anjo.

— Quê, como assim?!

Sem dizer mais nada, Amélia aceitou a mão da mulher de chifres. Em seguida, os três espectros começaram a flutuar alto, até sumirem da vista de Felipe. Curioso, o rapaz foi até a beirada do prédio. Ao olhar para a praça, via várias pessoas chorando, em torno de seus corpos carbonizados. Porém, seres com chifres de veados, apareciam a seu lado, lhes dando conforto.

E então, ele o viu. O Anjo sobrevoava a praça. Sua imagem era vívida, como se ele mesmo estivesse ali. De repente, Felipe encostou em uma das gigantescas correntes que rodeavam o prédio. No lugar onde encostou, o fogo se apagou, desprotegendo assim o metal. O Anjo pareceu sentir aquilo, ele se virou em direção a Felipe, como se conseguisse vê-lo.

Porém, no momento em que o Anjo se preparava para atacar Felipe, ele foi puxado para seu corpo. Apenas tendo tempo de fechar os olhos.

— Finalmente! — Emma abraçava o primo, quando ele abriu os olhos. — Toma, cura a sua ferida.

Emma lhe entregou uma garrafa de água. O rapaz a abriu e fez um gesto com a mão. Um pequeno filete do líquido, saiu voando de dentro do recipiente e fez um círculo em volta de sua nuca, brilhando uma luz verde.

— Eu sei como tirar a gente daqui — disse Felipe, deixando Aron e Emma surpresos. — Aron, você acha que Kyra consegue morder essas correntes?

— Eu – eu não sei. Elas são muito grandes.

— Ei, não levanta! — Emma impediu o primo de sair de seu lugar.

— Felipe, me desculpa, eu não queria...

— Tudo bem, Aron. Você não teve culpa. Agora, eu só preciso que você me ajude. Você acha que Kyra consegue quebrar as correntes, se eu parar o fogo em um lugar exato?

— Talvez... eu não sei... as correntes são grandes...

— Ótimo! Talvez já é bom. Agora a gente... — Felipe quase desmaiou quando tentou se levantar.

— Eu disse para você não se levantar! O que você viu? Quando caiu?

— Emma, como você sabe que vi alguma coisa?

— Você não parava de murmurar. Parecia que conversava com alguém.

— Bom, foi quase isso. Depois, quando tivermos mais tempo, eu conto. Agora, me ajudem a levantar e me levem lá para baixo.

Assim, os dois ajudaram Felipe. Quando estavam no térreo novamente, e andavam em direção à porta de entrada, as diversas pessoas apontavam e cochichavam umas com as outras. Algumas não tiravam os olhos dos celulares, assistindo através deles tudo o que acontecia lá fora.

Logo o trio passou por Kyra, que parecia desesperada, cada vez que as correntes se aproximavam do prédio. O Anjo não era visto em lugar nenhum, apenas a polícia e pessoas de preto, que ficavam rodeando o lugar:

— A Rainha mandou seus agentes. A coisa está fora do controle então — concluiu Emma. — O que você vai fazer, Felipe?

— Eu só preciso que Aron fique pronto. Emma, fique de olho para ele não atacar a gente.

Aron e Emma se entreolharam, preocupados. Mas, concordaram em seguida, confiando no rapaz. Devagar, Felipe chegou perto das correntes. Kyra soltou um grunhido de preocupação, mas Aron logo a acalmou:

— Você consegue — disse Felipe a si mesmo, sem nenhum dos outros conseguir ouvi-lo.

Em seguida, o rapaz fechou os olhos e estendeu as duas mãos. Ele se concentrava, enquanto, mentalmente, imaginava o fogo azulado. Aron e Emma ficaram olhando, extremamente apreensivos. Logo, o fogo da corrente mais próxima começou a trepidar. Não demorou muito, e ele já havia diminuído, até que sumiu por completo.

— Agora Aron! — gritou Felipe para o namorado.

Aron ficou receoso de início, mas mandou Kyra morder a corrente. Porém, do outro lado, um enorme dragão apareceu. O animal abocanhou a corrente sem fogo, e imediatamente todas se apagaram e foram ao chão. As que estavam no alto, caíram com tudo em cima do prédio, fazendo a estrutura tremer.

O Anjo apareceu do nada, e conjurou uma labareda de fogo na direção de Felipe. O rapaz apenas se protegeu com os braços, por falta de reação. O gigantesco dragão, protegeu o rapaz com uma de suas asas, e assim que ele estava seguro, o animal investiu contra o Anjo:

— Tira as pessoas daqui! — gritou Aron, subindo no dorso de Kyra e indo na direção do Anjo, que batalhava com o outro dragão.

— Não vai sozinho!

O aviso de Emma não surtiu efeito. Aron já estava nos ares, indo atrás do Anjo. Enquanto isso, os agentes reais tiravam as pessoas do prédio:

— O que a gente faz? — perguntou Felipe.

— Nós ajudamos Aron.

Assim, ela saiu correndo em meio à fumaça da praça, sendo acompanhada por Felipe.

Os Guardiões: Parte I - Correntes de FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora