Capítulo I

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Northumberland, primavera de 1102

O céu já começava a adquirir um tom pálido de cinza como sempre acontecia pouco antes do amanhecer, mas, mesmo sob a fraca luz, a grande fortaleza podia ser vista. Bem no topo da colina, suas muralhas e torres se erguiam como se tentassem alcançar o céu, deixando sua soberania bem clara para qualquer um que passasse por ali.

Edmond aprovou o que viu. Quase todas as edificações saxãs que haviam visitado até aquele momento eram feitas de madeira, mas aquela que ele acabara de ganhar tinha sido construída de grandes pedras cinzentas, o que lhe dava uma aparência rígida e inabalável, e estar localizada bem no topo de uma colina a deixava ainda mais forte, pois seria praticamente impossível que alguém se aproximasse de seus muros sem que fosse visto por uma sentinela.

Porém, a falta de manutenção do antigo dono estava cobrando um preço alto. As enormes muralhas, que eram coroadas por ameias, possuíam trechos em que o rejunte estava se soltando, o que não era nada promissor. Mesmo daquela distância, Edmond poderia jurar que via buracos no portão principal, tão grandes que até mesmo um homem de médio porte poderia transpassá-los facilmente. Só Deus sabia em que estado encontraria os estábulos, o pátio externo e o interior do castelo, mas nada daquilo tinha importância. Afinal, quando Edmond assumisse aquela fortaleza para si, não descansaria até torná-la inexpugnável.

- Vê aquele castelo no topo da colina, Derek? - indagou ao seu irmão mais novo, que cavalgava bem atrás, em um ritmo mais lento. - É o coração das terras de Northgate.

- Acha que conseguiremos alcançá-lo antes do meio-dia? - Analisou a fortaleza com seus olhos azuis.

- Provavelmente, irmão. A subida cansará os cavalos e dificultará a passagem da caravana, então precisamos manter o ritmo para chegaremos antes que o sol esteja a pino.

- Ouvi falar que há uma nascente no topo que congela antes do fim do outono. Espero que no verão faça mais calor. Está frio, mesmo sendo primavera.

- Sim, o Norte da Inglaterra é mais frio do que a Normandia, mas creio que os bosques são apropriados para a caça. Vi uma trilha de javali próximo ao acampamento não faz muito tempo.

- É o que parece, apesar de os camponeses saxões que vimos no caminho temerem esse bosque como o Diabo teme a cruz. Como é mesmo que eles o chamam?

- Bosque dos Lamentos - respondeu, olhando a densa vegetação homogênea que havia ao seu redor. - E não acredito nas lendas sobre espíritos de bruxas celtas que vagam pela floresta em busca de vingança. Os saxões têm medo até da própria sombra.

- Disso pode ter certeza. Você viu como ficaram assustados quando nossa caravana passou em Lakestone?

- Sim. Por sorte o senhor daquelas terras foi bastante receptivo, diferentemente de seu povo. Vamos precisar formar boas alianças com nossos vizinhos se quisermos manter nossos domínios.

- Ainda assim, parece-me que Henry foi extremamente generoso ao lhe dar as terras de Northgate, irmão. Conheço muitos nobres que ganharam terras bem menos atrativas, e aqui está, recebendo o título de Barão e uma propriedade invejável. Muito mais do que um bastardo poderia sonhar em ter um dia!

- De fato, Henry foi bastante generoso - concordou enquanto dedicava um meio sorriso ao irmão mais novo, sabendo exatamente o que ele queria deixar implícito. - Mas acredite em mim, Derek, ele teve bons motivos para fazer isto. Estas terras fazem fronteira ao norte com a Escócia e, sem um pulso firme para governá-las, os highlanders podem tomá-las a qualquer momento.

Era uma verdade que nem mesmo Derek poderia contestar. O rei Henry I havia prometido títulos e terras para os cavaleiros que haviam lutado bravamente nas Cruzadas pela Terra Santa. E, sem dúvidas, sir Edmond Bertrand - a melhor espada do rei - foi o mais notório dentre eles. Suas façanhas no campo de batalha foram tão comentadas que chegaram aos ouvidos do rei, além de terem sido eternizadas em baladas contadas pelos trovadores. Ainda assim, esses não eram motivos suficientes para que o monarca desse terras tão valiosas a um mero cavaleiro bastardo. O verdadeiro motivo para Henry ter lhe dado aquela vasta propriedade era o incontestável poder de liderança que Edmond possuía em uma batalha.

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