Na primeira vez que alguem veio de longe ate minha casa procurando pela "menina abençoada" minha mãe ficou assustada. Era um general do exercito grego de passagem pela região e decidiu vir ver se os boatos que o povo contava eram verdade. Meu pai disse para ser gentil e minhas irmãs mais velhas se esconderam no nosso quarto. Todos achavamos que ele iria me pedir em casamento e me levar pra longe a força. O homem tinha um exercito, podia fazer isso se quisesse.
E as vezes eu penso, com um arrepio, que aquele era o plano dele no inicio. Então ele entrou em casa, me encarou por longos minutos constrangedores e foi embora. Eu tinha treze anos na época.
Todos suspiramos de alivio em segredo naquela noite e foi só o começo. Muitos outros vieram de terras distantes depois disso. Reis e nobres de toda parte. Parecia uma besteira vir de longe apenas pra ver uma garota bonita, mas seja lá o deus que me abençoou fez alguma coisa em mim que despertava a curiosidade das pessoas, as atraía.
Quando voltava pra casa depois de mais um fracasso com o amor, cruzei com mais algumas pessoas que vinham me encarar. 
Segui o conselho dado muito tempo atrás por minha mãe e fui gentil. Era o certo, ela dizia.
Maia andava ao meu lado com um humor tão sombrio quanto o meu. Sabiamos muito bem as coisas que aconteciam quando algum deus queria punir um mortal. Morte, destruição e dor para o infeliz e todos a sua volta, era o que acontecia.
— mãe? — chamei ao entrar em casa. As paredes de pedra cinza ecoaram minhas palavras. Os tapetes vermelhos estavam alinhados no chão e as almofadas do sofá estavam afofadas. Minha mãe estava por perto, dada toda aquela organização.
— Pai?
— Aqui em cima Psiquê! — ouvi a voz de minha mãe no segundo andar. Eu e Maia subimos as escadas de degraus cavados em madeira e seguimos a  voz de mamãe.
Ela estava deitada na cama enorme lendo um livro de capa preta com os lençois brancos lançados a seus pés. Meu pai segurava um livro parecido sentado a mesa perto da grande janela no canto do quarto.
— Que bom que vocês estão sentados. Nós duas temos uma história ruim para contar.
Ambos fecharam os livros imediatamente.
Mamãe remexeu na cama e trocou olhares nervosos com papai.
— O que foi que vocês aprontaram?
Maia me deu um empurrãozinho.
— Você conta.
Dei a ela uma careta, mas obedeci.
— Maia teve um sonho alguns Dias atrás. Ela disse que é serio. Parecia uma visão dos deuses.
— que tipo de visão?
Olhei para minha amiga. Era sua vez de responder. Ela se negou a me dizer o que havia sonhado até chegarmos em casa, assim poderia contar para meus pais ao mesmo tempo.
— Era uma Noite de tempestade. Eu demorei muito para conseguir dormir graças aos trovões. Estava assustada e não percebi quando realmente adormeci. Lembro de me ver em uma sacada de pedra cavada em um castelo negro como a noite. Eu olhava para dentro do castelo, um quarto escuro onde um homem alado escrevia algo em um pergaminho com uma pena que parecia muito com as que ele tinha nas asas negras. Depois disso o sonho mudou e eu estava sentada ao lado da estátua de Afrodite. Ela olhava fixamente para um outro homem alado, esse com asas brancas, e abriu a grande boca feita de marmore e disse que Maia era a maior ofensa que ela ja recebeu na vida e que seria punida. Disse também que...
Ela respirou fundo antes de dizer.
— ela disse ao homem alado que não estava satisfeita com apenas amaldiçoar Psiquê a viver para sempre sem ser amada por nenhum homem ou mulher. Ela entregaria a ao Deus da Morte. Ela disse que vai te matar.
Uma sensação estranha se apoderou do fundo da minha mente. Era a mesma sensação que eu tinha quando meu pai ficava muito bravo comigo e eu sabia que estava encrencada. Um frio na base da minha nuca,  um zumbido nos ouvidos e a barriga cheia de morcegos me deixando enjoada.
Mamãe estava palida e olhava para Maia absolutamente em choque. Meu pai tinha a mão direita cobrindo a boca e os olhos arregalados.
O medo dos ambos triplicou o meu.
Eu iria morrer? Era isso? Como? Atropelada pela carroça do ferreiro que me rejeitou um mês atrás? Pisoteada pelas ovelhas do tosqueador que não aceitou ir comigo ao Festival?
Eu tinha certeza que Afrodite planejaria algo do tipo. Me fazer ser morta pelos homens que eu amei.
Meus pais ainda não diziam nada. Acho que porque não havia nada a ser dito. Eles não podiam me salvar. Eu não podia me salvar. Se uma deusa me queria morta... Então eu praticamente ja estava morta.

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