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Poucas horas depois de tomar cafe eu estava em um estagio absurdo de tedio. Voltei para o quarto após "contatar" Atena e até considerei vagar pelo corredor que serpenteava pela torre enquanto esperava por uma resposta da deusa, mas ter que encarar o mar me fez desistir. Por isso me resignei ao quarto, mergulhada em pensamentos rasos e ao mesmo tempo profundos.
Será que as estrelas ficam tão perto uma da outra como parecem durante a noite? Como apolo consegue guiar o carro do sol entre elas? Por que ele não se perde no caminho? Os cavalos não pegam fogo de ficar tão perto do astro? As nuvens não apagam o Sol por que? Quem teve a ideia de cavar o primeiro poço?  A pessoa simplesmente estava com sede e pensou que a melhor forma de obter água era cavando na terra?
Se Poseidon criou os cavalos, por que eles viviam na terra e não na água? Como diabos eu sairia daquela torre se estava cercada por todos os lados de água salgada?
Essa ultima pergunta me arrancou do meu estupor. Larguei a madeixa de cabelo que estava torcendo nos dedos e rolei na cama ate sair da posição de ponta a cabeça em que estava.
Eu não podia sair da torre. Estava presa.
Completamente presa. Sem saída. A não ser que criasse asas, o que estava fora do meu alcance.
Thânatos ME PRENDEU?
Bufei com força e me levantei. Deus, homem, animal, NINGUÉM tinha o direito de me prender. Abri a porta com um safanão e marchei pelo corredor, as pernas bambas ao ver o mar abaixo dos meus pés. Engoli em seco e resisti a vontade de voltar para o quarto e me esconder. Nada disso, eu tinha que tomar uma atitude. Onde será que o quarto dele estava? Ele era o dono daquilo tudo, provavelmente colocaria o proprio quarto no topo. As coisas mais importantes sempre ficam no topo das torres não é? Seguindo esse raciocinio então o quarto dele seria lá em cima, certo? Pensando nisso, estremeci um pouco ao ouvir uma onda gigante se chocar com força contra a torre, um barulho de espuma depois do estrondo da água contra o vidro e as pedras. Tentando ignorar o medo, comecei a caminhar.
O chão era liso e ingrime, bem cansativo para as minhas pernas. Todas aquelas semanas de pouca nutrição cobraram seu preço. Meus musculos mal tinham força para me manter de pé. Metro a metro, passo a passo, tremedeira após tremedeira, cheguei ao topo da torre. Estava tão ofegante e suada que parecia uma atleta olimpica.
Deuses, aquele lugar precisava ser tão alto
A porta a minha frente tinha gravuras diferentes das outras. A madeira escura estava decorada com milhares de arco-iris multicoloridos que cintilavam sob a luz. As cores e o brilho vinham de um pó metalico pincelado sobre os entalhes da madeira. Passei a mão e um pouco dele ficou grudado na minha palma. Quem fez aquele trabalho tão detalhado?  Alguma alma capturada por Than?
Me perguntei se devia bater antes de entrar, mas estava furiosa demais para ser educada. Então lembrei que tinha uma grande chance de ele não estar em casa, e isso me deu ainda mais coragem para abrir a porta de supetão, sem medo e sem educação alguma.
Um rangido suave marcou o deslize das dobradiças presas na madeira pesada, a porta revelou pouco a pouco a coisa mais linda que eu já havia visto.
Não, não era o quarto de Than. E a coisa mais linda não era ele trocando de roupa. Era uma biblioteca. Enorme.
Com VÁRIOS andares!
Feita de madeira escura e com centenas de milhares de livros encadernados em couro e decorados com ouro e prata. Escadas estreitas levavam a pequenas "varandas"  elevadas, onde bancos e poltronas pequenas estavam pousadas junto à mesas e candelabros dourados. Esculturas de feras indomaveis descansavam aqui e ali entre as prateleiras, quadros coloridos e outros góticos, tapeçarias complexas e tapetes elegantes decoravam o ambiente magico. Um enorme tapete cor de sangue estava estendido em frente a uma lareira alta, com sofás espalhados perto do fogo, cheios de almofadas fofas e escuras. Entrei hipnotizada naquela sala imensa e dei um giro para admirar seu explendor. Sobre a porta, vários quadros de vidro com gigantes ossadas de passaros e borboletas mortas expostas estavam pendurados firmemente. Observei as asas monumentais e as cores vibrantes, inevitavelmente impressionada. Eu nunca havia visto uma coisa assim antes. A biblioteca da vila tinha algumas duzias de livros e prateleiras tortas. Depois de ler e reler todos os volumes, acabou perdendo o encanto para mim.
Mas aquela biblioteca era cheia de encanto. Andei entre as prateleiras menores distribuidas pelo "hall" de entrada e encontrei mais mesas de vidro com dezenas de especies espalhados e fosseis de animais que eu nunca havia visto na vida. Na verdade nem conseguia imaginar o que eles eram! O pó reluzente na minha mão deixava um rastro brilhante na lombada de todos os livros que eu tocava, totalmente extasiada. Thânatos tinha uma biblioteca no topo da torre. Ele achava a biblioteca mais importante que seu próprio quarto. Todo mundo sabe que as coisas importante ficam no topo, e ele colocou a BIBLIOTECA. Não a sala de jantar, não uma arena para treinar esgrima. Uma arena para treinar a mente. Para elevar a imaginação até lugares onde nem mesmo suas asas poderosas poderiam levar. Eu não conhecia o homem que amava (argh), mas naquele momento, pela primeira vez, eu queria muito conhecê-lo. Queria fazer milhares de perguntas sobre seu livro favorito, sobre quem entalhou aquela porta, sobre como ele se sentia depois da inadequada vingança de Afrodite. Eu achava amar um estranho muito desconfortavel, mas não tinha ideia de como ele se sentia quanto a aquilo.
Pela primeira vez, eu tinha motivo para achar aquele homem fascinante. E não queria espantar esse fascinio. Queria mergulhar nele. Deuses, eu queria realmente mergulhar nele.
Deslizando o dedo indicador com cuidado pelos olhos de um leão de pedra esculpida, quase desmaiei de susto ao ouvir um estalo na lareira. Chamas douradas e púrpuras dançavam perigosamente altas, e um sussurro me atraiu para perto.
— Psiquê...
—Atena?  — perguntei. Imaginei que fosse ela porque, bem, ela era a única pessoa com quem eu me comuniquei atravez de uma lareira.
Me aproximei mais ao ouvir minha voz e uma mão ossuda saiu das chamas, estendida para mim. Era palida e manchada, a pele esticada a ponto de parecer prestes a rasgar. Aquela não parecia a mão de uma bela deusa da sabedoria, assustada tentei recuar,  porém ja era tarde demais. Um braço magro e assustadoramente forte saiu das chamas e agarrou meu pulso, me arrastando para dentro da lareira. Em panico tentei fugir, mas não consegui. Fechei os olhos e gritei o mais alto que podia, em vão.
Nada veio me salvar. Nada jamais viria.

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