II

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Porém, houve um dia na pracinha de Campos Dourados, um dia triste, quando minha primeira decepção se apossou do meu semblante, avistei Ricardo, o meu doce Ricardo, beijando a boca de Ângela Maria. E o que era? A partida de um desejo? A quebra de uma vontade? Como poderia saber? Mas e de que se tratava os beijos? Acordos  sociais para dizer às pessoas o que eram suas posses? Algo natural do cotidiano? Algo natural da vida e das pessoas que a  compartilhavam? Ângela Maria era especial? Então ela tinha lugares para ir, ruas para andar, queijos ou outros laticínios de sua preferência, e Ricardo não tinha nada para comprar nos lugares que ela ia, a não ser um pouco de sobriedade!?
O rosto estava em faíscas, portanto os olhos assistiam com frieza a mão daquele rapaz, os dedos mal decidiam entre a nuca e os cabelos, os cachos de Ângela Maria comportavam tantas ondas quanto o mar, se permitiam ir tão longe como uma maré cheia, e o que dizer da nuca?! Um pedaço moreno de sagacidade, sua pele era vitalícia, talvez causasse fome aos lábios que não a soltava, por um milésimo que me acudia em dores.
Pedi a Deus um porre para esquecer, não sabia até onde ele respondia às moças, mas aos rapazes, decerto como a rapidez de uma bala, coloquei as mãos nos bolsos do vestido, escolhido com cautela para fazer brilhar os olhos de quem tão pouco ou nada via-me. Tragicamente mordi um pedaço de melancia e não somei o tempo utilizado para deliciar-me, no fundo eu compreendia que o que havia de ter comido era minha angústia transfigurada em uma fruta, fruta comprada sobre o pretexto de ver a blusa xadrez daquele ser,  eu sabia como lhe caía ao corpo os tons de vermelho e preto, a pele clara de Ricardo sobressaía nas cores, e mais vívido os seus lábios se tornavam, o que fazia dúvida nos pensamentos alheios, se eram de verdade, pois espocavam-lhe a cara de tanta saliência. E quanto mais a fúria fazia-me sombra, o desejo de desfalecer vinha, eram tantos dias precavidos de carinho, tantos repousos inclinados ao meu pensar, não o imaginava como um príncipe, tampouco uma fera, o problema estava em pensar em cenas expressivas do seu dia, de como velejava os braços ao andar lentamente, as mil maneiras nas quais acenava às mercadorias e incessante desistia, juntando as sobrancelhas para perto dos olhos, quase fechando-os para ler a validade, tinha tornando-se tão crítico após ter se alimentado de um biscoito, que o fez passar dias no hospital, disso eu sabia pois até as ruas contavam-me. E agora o que me sobrava era a esperança de encontrar outra pessoa que grudasse os olhos em mim, como eu grudava naquela criatura. Sobre a luz do criador eu pedi um amor, apenas um, não era modesta, se um amor me cabia no coração, pois bastava-me, um amor digno de mim, um amor que fosse capaz de devotar horas do seu dia pensando nos meus vestidos escolhidos a dedo, ou na minha face, não tão vistosa ao ponto de encharcar a boca de adjetivos, contudo apreensiva, capaz de parar os olhos daqueles que nasceram para observar, e detalhadamente tentasse descobrir o que me surtasse ao cérebro, e não apenas interrogar, porém vim com mais certezas que dúvidas e caducando a mente assim, me oferecesse um punhado de felicidade, pois e o que é o amor se não for minúcias de compreensão? Revigorei meus desejos aos céus e adormeci esperando a força daquela prece.

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Amei Ricardo - Rani FerreiraOnde histórias criam vida. Descubra agora