ATO IV - Covarde

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A rua seria totalmente escura se não fosse por uma ou outra lâmpada que ainda funcionava piscando intermitente, quem sabe logo parasse com todas as outras. Em alguns lugares ainda havia energia elétrica, talvez velhos geradores programados para ligar em determinado momento ou algum tipo de bateria.

A noite quente agradável fazia tudo parecer normal, o fato de não poder ver as vitrines quebradas, sujas, pedaços de tudo o que sobrou depois da explosão de pânico que tomou conta das pessoas, estava tudo ali jogado na rua, camuflado pela escuridão.
Como em outras vezes ele ouviu um som ao longe, poderia ser outro cão perdido do bando ou até o bando, talvez até mais de um. Os sons espalhavam-se pelas ruas elevando o volume, o que antes parecia um ladrar de cães vadios, mutantes e assassinos tornou-se o som de um animal que no mínimo era só assassino - Que sorte a minha! - eram vozes humanas e pior, não mutantes.
As vozes tomaram a rua, assim como seus donos, quando ele se jogou para baixo de um carro estacionado. O cheiro de lixo e da poeira da rua era melhor que encarar pessoas desconhecidas. Aos poucos os responsáveis barulhentos começaram a despontar na luz de uma lâmpada, um, dois, cinco - Que número de sorte, talvez uma bala para cada um e sobram duas, com sorte eles gastariam uma em mim e já era tudo isso -, ele continuava em baixo do veículo, respirando devagar enquanto ouvia as vozes.

- Talvez você devesse falar mais baixo idiota, vai que alguém ouve! - brigava o primeiro com o cara ao seu lado.

- Poxa, desculpe, não queria atrair nada... Não, espera, aqui não tem nada - respondeu sarcástico enquanto beijava a moça ao lado com força, força demais!

A garota parecia incomodada com a maneira que segurava seu braço e tentava soltar as mãos do companheiro aos poucos...

- Pode ter alguém por aí - o garoto de boné parecia assustado enquanto olhava para o lado - podem ser perigosos.

- Estamos em grupo, estamos armados, o que pode acontecer, ninguém... Filha da puta! - ele gritou em seguida deu um tapa na cara da garota - está louca sua puta do caralho.

Ela havia torcido odedo dele querendo se soltar. Embaixo do carro ele só pode fechar os olhos paranão ver a cena, mas os sons não podiam ser abafados. Uma raiva crescente,desgosto e um peso no estômago, tudo se misturava a cada som de socos e chutes,e a tristeza de não poder fazer nada para acalentar o choro da garota. Elepensava nela, sentada, segura em casa, isso o acalmava e até aliviava suaconsciência de ficar covardemente escondido, até todos irem embora, o líder nafrente e os outros levando a garota quase desacordada.
Uma raiva queimava dentro dele, uma raiva dele mesmo, de não ter agido, não terse imposto contra aquilo. As pessoas tornaram-se piores que animais, perderamsua civilidade e começaram a mostrar quem realmente são, como se tudo aquiloestivesse adormecido e preso por amarras sociais e a situação atual tivessesido a libertação da bestialidade. Mas ele recusava-se deixar corromper,engolia a seco, aquela sensação de ter algo preso na garganta, apesar dalágrima molhando os olhos ele seguiu em frente. Logo chegaria na moto,precisava manter a calma, ela notaria qualquer mudança sua... Estava perto, odia tinha sido proveitoso, a noite estava agradável, só tinha a agradecer,sempre.
Sabe aquela sensação de que alguma coisa não está certa? Aquela desconfiança dasituação, a dúvida de que tudo "está bom de mais para ser verdade".Às vezes devemos confiar apenas em nossas instintos e foi aí que ele correu, amoto estava bem escondida, todos os suprimentos estavam seguros... Tinham deestar!
Seu coração pulava alto no peito, sua respiração cortante por baixo da máscara,o peito ofegando, músculos doendo, estava perto, mas pareceu correr kilometros.As pernas queriam parar, o corpo todo precisava descansar, mas ele só parou nacurva do beco... Tentou respirar devagar, o coração disparado chegava a ser sentidona garganta, os pulmões pediam mais ar do que recebia, ele curvou-se, abaixou,se acalmou um pouco. Levantou e sacudiu a cabeça para afastar a vertigem, sacousua arma, o frio já familiar do aço, o peso já era costumeiro, ele destravou aarma e seguiu...    

NoahWhere stories live. Discover now