A criança corria por um gramado encharcado. Gotas da chuva caíam sobre seu rosto sujo de fuligem. Seus cabelos castanhos caíam sobre seus ombros tensos. Ele segurava uma peça de bronze nos braços. Era perceptível que aquela coisa era pesada demais para ele, mas mesmo assim, a criança continuou carregando a peça pelo campo escuro. Acima dele, trovões sacudiam o céu. Relâmpagos iluminavam o mundo inteiro. O garoto olhava constantemente para trás, como se houvesse algo – ou alguém – o perseguindo. De fato, uma sombra vinha em sua direção. Não era nítido, mas era humanoide, cerca de cinco metros de altura. Ele sibilava em uma língua que não era inglês, mas o garoto a reconheceu assim que a ouviu. Grego antigo.
"Não tem para onde correr, criança." Sua voz era audível, mesmo estando a quase quinhentos metros de distância do garoto, que não parou de correr nem por um segundo. "DEVOLVA!" Sua voz ribombou pelos campos, um relâmpago rasgou o céu e ele caiu sobre a peça de bronze, batendo o rosto na grama molhada. Outro relâmpago partiu o céu, mas, dessa vez, ele atingiu a grama, explodindo com o toque e todo o lugar desapareceu.
Noah se sentou imediatamente com o barulho. Ele suava, mesmo que o lugar onde estava era frio. Ele olhou pela janela ao lado de sua cama. Ainda estava de noite e, por mais que o Acampamento tinha proteção, uma tempestade caía do céu e os raios iluminavam o céu. Assim como em seu sonho. Ele se levantou, tocou o chão gelado com as pontas dos pés, mas aquilo não o incomodou. Assim que se pôs de pé, uma dor lancinante em sua testa o derrubou. Ele olhou seu reflexo no chão – Sim, ele conseguia fazer isso porque o chão era puro gelo. – por mais que a imagem não estivesse muito nítida, ele percebeu que havia algo em sua testa. Algo diferente. Ele se levantou e correu, desajeitado, até o interruptor e acendeu a luz. O chalé que antes estava na penumbra, agora estava claro.
O chão reluzia à luz de um lustre branco que pendia de um teto azul cinzento, como se estivesse representando o céu em um dia nevado. As paredes eram de madeira de pinheiro escuro, e havia uma fina camada de gelo as cobrindo. Havia apenas quatro camas ali, mas só duas estavam sendo utilizadas. Havia alguém dormindo na cama na extrema direita, e à extrema esquerda, havia a de Noah.
Ele caminhou até sua cama e se abaixou, enfiando seu braço inteiro sob o móvel. Após alguns segundos, ele achou o que procurava: um espelho de mão. Ele se assustou com o próprio reflexo, pois, em sua testa havia pontos e linhas que os ligavam. Uma constelação. Ao redor das marcas, sua pele estava vermelha, era como se alguém tivesse implantado aquilo em seu corpo enquanto Noah dormia. A dor passara, ele não entendeu porque ele a sentiu apenas naquele momento, mas teve uma sensação de que não seria a ultima vez.
. . .
Algumas horas após o amanhecer, Noah saiu de seu chalé, usando uma touca e ele penteou sua franja para que ela tampasse sua testa marcada. Os campistas mais jovens corriam pela grama molhada, e os mais velhos treinavam com espadas, conversavam ou apenas estavam sentados nos bancos espalhados pelo campo.
Quando ele passou pelo chalé de Hefesto, uma voz o chamou.
"Noah!" Era Charles, um dos seus melhores amigos. Ele sorriu e acenou. "Touca legal, cara." Ele era um pouco mais alto do que Noah. Possuía cabelo ruivo e seus olhos eram incrivelmente cinzentos. Bem diferente de um filho de Hefesto, Noah sempre dizia.
"Valeu." Contraiu os lábios e olhou para uma casa azul de três andares à distância. "Quíron já retornou?"
"Não. Sem noticias ainda." Seu ânimo desapareceu. "Sem mensagens de Íris, sem cartas..." Ele fez uma pausa e suspirou, sua voz estava triste. "Nada." Veja bem, Charles e Quíron tinham uma relação forte. Eram quase pai e filho, já que Quíron o salvou de uma emboscada em São Francisco e tomou conta dele desde seus doze anos. Hoje, com dezesseis, ele não conseguia parar de pensar no porquê de seu salvador ter saído do Acampamento em uma noite qualquer e sumir do mapa sem deixar nenhum bilhete.
"Não se preocupe, ele vai retornar." Disse, mas não havia esperança em minha voz. Infelizmente, Charles notou isso. Sua expressão ficou ainda mais triste. Noah fez o obvio: se aproximou do amigo e envolveu seus braços gelados no corpo quente do outro. Charles não reagiu, apenas repousou o queixo no ombro do filho de Bóreas, mas Noah sabia que aquele gesto era necessário para o ruivo. "Dioniso vai ter de ajudar..." Murmurou."Quê?" Ele disse baixo, e se afastou. "Ajudar em quê?"
Noah olhou para os lados, para ver se havia alguém por ali, por sorte, eles estavam às sós, mas alguém poderia aparecer a qualquer momento. Ele tinha de ser rápido. Retirou a touca e levantou sua franja, mostrando as marcas. O rosto de Charles mudou. Ele estava triste, mas agora era claro que estava assustado. Ele estendeu o braço direito e puxou a manga de sua jaqueta, revelando a mesma marca que estava na testa de Noah.
"Precisamos ir ver Rachel. Agora" Charles disse, sério, e puxou Noah pelo antebraço, na direção contrária à casa azul.
. . .
Os dois caminharam por dez minutos, e em nenhum momento Charles soltou o braço de Noah. Ele não fazia ideia do por que estavam indo visitar Rachel, mas apenas seguia o ruivo. Após subirem um pequeno monte, os dois chegaram a uma entrada de gruta em uma montanha. Um pano branco esvoaçava na entrada e, mais adentro, uma luz verde preenchia o local.
"Já tem alguém aqui." Noah falou, mas Charles ignorou e o puxou para dentro. Eles seguiram por um minúsculo túnel e chegaram a um quarto, como se um chalé tivesse sido instalado ali dentro. Haviam três garotas ali, e uma estava ajoelhada no chão, com as duas mãos tampando seu rosto. Seu cabelo ruivo e armado reluzia com a luz verde que saía de... Seus olhos.
"Rachel! O que houve?" Uma garota com cabelos pretos como carvão estava ajoelhada ao lado de Rachel, claramente preocupada. A outra estava em pé, com as duas mãos cobrindo sua boca. De repente, a ruiva envergou o corpo e fumaça verde começou a sair de sua boca. A morena soltou um grito, horrorizada e caiu no chão. A iluminação do local ficou fraca, e Rachel começou a dizer, com uma voz totalmente diferente da habitual.
Quatro poderosos semideuses em uma jornada saírão
O gelo e o fogo perdidos estarão
A criança de Atena, a frágil guiará
A escuridão irá enfim se encontrar
Da mãe, uma única esperança
Os deuses perdidos, finalmente, se encontrarão em segurança.Então caiu no chão, fraca.
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A Marca dos Deuses
AdventureNoah acorda em uma noite tempestuosa, sua testa queima e seu corpo está banhado em suor. O sonho que tivera era estranho, era real. Em sua testa, uma marca surge. Uma constelação, assim como surgiu no corpo de outros três campistas. Não só sua vida...