CHARLES

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    O céu já estava estrelado quando a vã atravessou a fronteira de Ohio, eles decidiram viajar por vias menos frequentadas, para evitar acidentes, já que Charles não é o que digamos, um piloto com experiência e muito menos tem uma carteira de motorista. Eles haviam feito três paradas desde Brooklyn, a primeira foi para almoçarem, às duas da tarde. A segunda foi para que Sam não vomitasse tudo que havia almoçado. E, a terceira foi para que fizessem suas necessidades.

   Enquanto as garotas estavam lá fora, durante a terceira parada, Charles começou a fuçar o carro, até que achou um óculos de aviador escuro no porta-luvas, ele se perguntou o porquê daquilo estar ali, já que Argos possuía, literalmente, mais de 100 olhos, mas deixou para lá.  Colocou os óculos no rosto e se virou para o amigo, que havia trocado de lugar com Sam.
—Noah, como estou? — Ele fez uma pose e fechou o dedo do meio e o anelar de ambas as mãos, fazendo um símbolo que adolescentes geralmente fazem, quando tiram fotos. Noah riu e falou, num sotaque engraçado.
—Tá maneiro, bro. — Ele sorriu, do jeito que apenas ele sabia, sem descolar os lábios e cerrando os olhos no ato. O ruivo sorriu de volta, gostava do relacionamento que tinha com o filho de Bóreas. Geralmente, o amigo era uma pessoa fria e direita com as pessoas do acampamento, mas, quando conversava com Charles, era diferente. O filho de Hefesto não podia deixar de corar sempre que os dois tinham esses momentos íntimos.
—Noah, é... — Ele foi interrompido pela porta da Van que se abriu repentinamente e as garotas entraram, estavam prontos para partir novamente e o que quer que o ruivo iria dizer, ele deixou para lá e apenas continuou o caminho.

  Agora, sob o céu estrelado da noite de verão, todos dormiam em seus bancos. Alex e Sam haviam arrumado um jeito para que o banco traseiro se tornasse algo semelhante a uma cama de casal e Noah havia apenas deitado seu assento e adormecido ali mesmo. Charles não estava com muito sono, então decidiu continuar seguindo, a estrada que pegaram era estreita e, na maioria das vezes, esburacada. Mas, agora, estava tranquilo e eles se encontravam no meio de uma fazenda de milho, no nordeste de Ohio, a luz da lua refletia nas folhas dançantes do milho, dando ideia de que a plantação fosse um mar prateado no meio de um campo vazio.  O garoto abriu a sua janela e deixou os ventos quentes abraçarem seus cabelos cor de flama. Nesse momento, as lembranças tomaram conta da mente de Charles, talvez por causa do forte cheiro.

Era Natal, dois meses antes do acidente em São Francisco. Uma música natalina vinha da sala e, escutava-se paasos vindos do apartamento de cima, provavelmente uma família já estava reunida. Charles estava ajudando sua mãe a cortar os milhos, ela tinha uma maestria incrível, cortava-os fileira por fileira, sem perder tempo, enquanto ele, não conseguia nem segurar a faca decentemente. Sempre fora sem jeito para tudo.
—Como você consegue fazer isso com tanta facilidade? — Indagou o garoto.
—Anos de prática. — Ela riu, sua voz era suave e calma. Seus cabelos flamejantes estavam presos em um rabo de cavalo bastante volumoso.
—Isso é injusto! Você ja cortou sete enquanto eu ainda estou no segundo.
—Querido, isso não é uma competição. — Ela soltou a faca e o milho que segurava e ajudou o filho, que estava em apuros. —Aqui, você segura o milho assim e... — Ela foi interrompida por fortes batidas na porta. Ela parou o que fazia e limpou as mãos em um pano de prato limpo qu estava sobre seu ombro direito. —Eles não podem ter chegado tão cedo assim, deve ser algum vizinho. Espere aqui que eu volto já.

  Charles nunca fora bom em obedecer, então, seguira a mãe, até chegar em um bom local para escutar com quem e o que estava conversando.
A voz de sua mãe estava baixa, mas o tom era severo.
—Não! Ele não está pronto para você ainda.
—Amélie, eu entendo sua preocupação, mas... — A segunda voz era de um homem. Uma voz grossa porém calma.
—Não há nada para discutir, eu já me decidi! Ele. Não. Está. Pronto!
—Mas eu sou o pai dele! — O tom aumentou, mas ele ainda mantinha a calma.
—E eu sou a mãe dele. Eu cuidei dele por 11 longos anos sozinha, para você aparecer repentinamente pensando que pode me dizer como eu devo cuidar do meu filho? Não é assim que as coisas funcionam. — Ai. Até Charles se sentiu ofendido.
—Você está certa. Mas, pelo menos dê isso a ele, por favor, Amélie.
—Certo. — Após uma pausa, ela voltou a dizer. —Estou fazendo o que é melhor para ele. Não estou o separando de você. — A voz quebrou, como se as emoções tivessem tomado conta.
—Eu entendo e concordo, foi um erro ter vindo aqui hoje. Eu o verei quando ele estiver mais velho. — Outra pausa ocorreu, e Charles ouviu ruídos de roupas roçando uma na outra, como se os dois tivessem acabado de se abraçar. —Até mais, Amélie. — A voz sumiu, assim como a imagem começou a se dissolver. Charles estava de volta no presente, sentindo o mesmo cheiro que sentira, dois meses antes do seu aniversário de doze anos. Antes daquele dia.
   Ele estacionou o carro na lateral da estrada e suspirou, se lembrando daquele dia que, provavelmente, fora uns dos melhores de sua vida; família reunida, muita comida e presentes. Ele tirou o palito de bronze de trás de sua orelhas e o apertou contra o peito. Um calor correu por seu corpo, e ele sentiu que seu pai estava o observando, de algum lugar.
—Obrigado, pai.

. . .

  Charles se encontrava dentro de um cubículo de metal. A única coisa que havia ali era uma entrada de ar, em cima, que era protegida com grossas barras de ferro. Através delas, ele podia ver um teto de pedra e traços de terra entre as tais. Ele tentou saltar para agarrar as barras, mas algo o impedia. Ele olhou para baixo e percebeu que havia diminuido de tamanho, sua pele estava mais pálida e havia emagrecido, no mínimo, uns 20 quilos. Então, ele ouviu passos. Tentou gritar, mas sua voz não saía.
—Eu lhe avisei, criança tola. — A voz fez Charles arrepiar dos pés à cabeça. Era grossa e profunda, como se o indivíduo sussurrasse cada palavra em seu ouvido. —Ninguém pode ouvi-lo aqui. Ninguém pode vê-lo. Ninguém pode... — Ele parou de falar por um ou dois segundos, mas logo alguma coisa atingiu o cubículo com tanta força que Charles caiu no chão. —AJUDA-LO. NINGUÉM PODE AJUDA-LO.
Charles começou a chorar involuntariamente, suas mãos tremiam. Os soluços aumentavam cada vez mais. E, sua voz, era de uma criança, uma criança bastante ferida. Tanto emocional quanto fisicamente.
—O que vo-você vai fazer comigo?
—Eu? Ha! — A criatura respondeu. —Eu não farei nada com você, a não ser que Urano queira, é claro. E, hoje, ele me pediu para lhe oferecer um tratamento especial.

Houve mais passos e Charles escutou ruídos de alguma coisa sendo presa ao cubículo.
—Não irá mata-lo, mas você sofrerá bastante. — Charles não sabia do que ele estava falando, mas logo descobriu, assim que escutou o barulho de uma alavanca sendo ativada. A corrente eletrica o atingiu, engolindo todo seu corpo, fazendo seus músculos se contraírem. Ele se chocou contra o chão, que era puro metal, que, infelizmente era um ótimo condutor elétrico. Ele berrava de dor, mas o som era abafado pelo ruído da corrente. A eletricidade percorria por todo seu corpo, como se fosse fogo viajando por suas veias, ao invés de sangue. Aquilo continuou e Charles desmaiou de dor, mas, em menos de 1 segundo, abriu os olhos. Ele estava na van, a marca sob a costela queimava, como se alguém estivesse encostando ferro derretido no ponto. Ele gritava de desespero e, tinha certeza de que aquilo não fora apenas um sonho.
 

  
  

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⏰ Last updated: Jul 07, 2018 ⏰

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