Madrugada Conturbada

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Já era quase meia noite quando o celular vibrou. Eu estava dormindo, mas, logo acordei assustada. Olhei no telefone e vi que era uma mensagem do Renan. "Estou com sdds, bjs".

Renan era meu namorado, terminamos recentemente, não por causa de brigas ou coisas do gênero, mas porque o relacionamento não estava confortável. A realidade é que eu não gostava dele e, sendo assim, o melhor era terminar e tentar estabelecer uma relação de amizade.

Resolvi não responder e voltei para minha cama. Precisava dormir, mas agora era quase impossível. Perdi o sono, literalmente. Levantei novamente e sentei na cama, pensando na vida, em minha família...

Fui criada apenas pelo meu pai. Não conhecia minha mãe, aliás, nem tinha vontade.É quase impossível ter vontade de conhecer quem te abandonou e simplesmente nunca lhe procurou, ao menos para saber se estava ou não viva.Não sei bem o que aconteceu entre ela e meu pai, a única coisa que soube é que eles se separaram e ela foi embora de casa e nunca mais voltou.Mas afinal, quem se importa?Sempre fui feliz sem ela e sua ausência nunca me fez falta.Não sei nem porque estava pensando nela...

Meu pai.Esse sim merecia meu respeito.Homem bom, honesto e trabalhador.Claro, às vezes brigávamos, mas, no fim nada era tão sério.A verdade é que, por mais maravilhoso que o S.r Henrique Gullar fosse acabava sendo um tanto exagerado em sua superproteção em relação a minha pessoa, além do mais, ambos éramos teimosos, o que resultava em pequenas discussões.Mas por que pensar nisso agora?Tudo o que eu precisava era dormir, sim, eu tinha que dormir.O problema é que não conseguia.Minha cabeça estava explodindo de dor e ainda assim, aquela insônia persistia em me perturbar.

Levantei e fui até a cozinha.Pensei em procurar um remédio para dor de cabeça no banheiro, mas no fim,passei direto e fui até a cozinha parar beber água."Se o Renan não tivesse me mandado aquela mensagem".Senti meu rosto queimar de raiva.Não sei porque cargas d'água ele resolveu me mandar um sms de madrugada.Se estivéssemos namorando ainda, até seria compreensível,entretanto,esse não era o caso.Precisava esquecer isso agora...esquecer Renan e esquecer minha mãe ausente.

Na volta não aguentei. Passei no banheiro para tomar um analgésico, porém, só encontrei um anador.Tomei o comprimido e voltei para a minha cama.

Tentei novamente dormir,mas infelizmente não consegui.Com um reflexo de fúria Levantei -me e fui até a janela de meu quarto olhar a rua.

Tudo parecia tranquilo no bairro.Ninguém na rua,luzes de casas apagadas."Só a minha acesa".Deduzi que a população estava dormindo enquanto eu, que gostaria de estar também, espiava pela janela.

De repente,reparei que a casa da esquina estava com as luzes acesas.Sim, sem dúvidas mais alguém estava acordado, eu não era a única.Pude ver vultos andando de um lado para o outro.Até que não estranhei muito.Aquela era a casa mais bonita do bairro, sem dúvidas era uma mansão.O proprietário da casa,aliás, era um senhor muito rico, milionário eu diria.Tinha uma família grande, três filhos, netos,irmão,genro,noras.Isso sem contar com os empregados, que moravam nos fundos da casa.Realmente esse pessoal rico pode se dar ao luxo de ficar acordados até tarde,principalmente porque não precisam se preocupar em acordar tão cedo.Claro,o Senhor Marco Harbart ia para sua empresa cedo(sempre o via saindo com o carro todas as manhãs),mas se quisesse poderia ir mais tarde para dormir até a hora que quisesse.Ele era o dono da empresa e poderia chegar a hora que bem entendesse.Aliás, meu pai trabalhava na empresa de Marco Harbart e sempre me disse que ele era um senhor realmente muito poderoso.Sim, ele tinha o direito de estar acordado, mas eu não.

Ainda olhando pela janela percebi que Harbart não era o único que estava acordado naquela casa.Sua família inteira parece ter perdido o sono."Podem estar comemorando o aniversário de um deles".Não sei,na realidade aquilo não parecia nada com uma festa...parecia uma discussão.Sim, uma discussão igual a que tive com papai ontem pela manhã.Não,não queria mais pensar nessa discussão entre nós!Olhei novamente para a casa.

-Não há como esconder.Isso é mesmo uma discussão -comentei depois de alguns minutos observando.

Via uns andando pela casa, enquanto um homem permanecia sentado.Pelo físico conclui que fosse o próprio Harbart que estivesse sentado na poltrona, enquanto os que andavam me pareceu serem os filhos, noras e genro.Os netos estavam sentados ao lado de Marco.Sei disso porque ambos eram adolescentes e tinham a minha idade, logo, era fácil distingui-los dos adultos."Droga!O que estou fazendo?Nem a fofoqueira da rua está acordada espiando o casarão pela janela!".Fiquei um tanto constrangida e decidi deitar, mesmo que não conseguisse dormir.Entretanto antes que eu pudesse fechar a janela percebi algo diferente. O senhor Harbart estava se debatendo na poltrona. Todos pareciam apavorados, se aproximando dele enquanto ele permanecia tremendo de forma exagerada e assustadora.Não sabia o que estava acontecendo, mas a cena não era das melhores.Continuei olhando, mas fiquei um tanto assustada."Acho que estou vendo coisas.Certamente está tudo bem!".Fechei a janela e fui deitar.

....

Acordei no dia seguinte uns dez minutos atrasada.Márcia já havia me chamado três vezes para tomar o café da manhã, e logo que me arrumei desci até a cozinha e me sentei à mesa.

-Onde está o papai?-Perguntei enquanto pegava um biscoito

-Acabou de sair - respondeu Márcia sorrindo

-Huum - disse indiferente - Bom, preciso ir, estou atrasada já!

Peguei minha bolsa e após abraçar Márcia, sai batendo a porta.

Encontrei o José, nossa motorista, me esperando com a porta do carro aberta:

-Bom dia Clarice! - Disse ele amável como sempre- Você está atrasada!

-Bom dia José! - Falei meio afobafa e entrando no carro logo em seguida- Sim, eu sei!

Sorri para José e ele seguiu dirigindo.

Passamos pela mansão da esquina e demos de cara com duas viaturas da polícia, os parentes de Harbart em frente à casa conversando com policiais.Juntou um aglomerado de pessoas curiosas para saber o que estava acontecendo.Logo, vi meu pai, perto dos parentes de Marco Harbart e dos policiais.

-Para o carro, José!- Exclamei assustada

-Mas você está atrasada! - retrucou ele

-Por favor, para o carro, José!- Pedi em desespero, quase que implorando.

José obedeceu e estacionou alí perto. Desci do carro correndo e fui tentar falar com meu pai, porém um dos policiais me impediu.

- Meu pai! Quero falar com ele! - Expliquei sem ser mais precisa

Assim que ouviu minha voz, papai veio ao meu encontro e me abraçou.

- O que aconteceu?- Perguntei confusa

-Clarice...Marco Harbart está morto!

- O quê?- Meu corpo gelou por completo e eu simplesmente não sabia o que pensar.

A TestemunhaOnde histórias criam vida. Descubra agora