Loucura

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"Jesus disse: Todo aquele que busca, continue buscando até encontrar e quando encontrar ele se pertubará Ao se pertubá ficará maravilhado e reinará sobre o todo"

"Evangelho apócrifo de Tomé"

Aquela poça de sangue com um homem dentro, que mais parecia está flutuando, também, como lembranças remotas, flutuavam, como o corpo de meu pai, envolto em sangue, em minha memória. Uma cena imaginaria, porém, historicamente comprovada, por toda minha família.... Ele levou um tiro, mas não morreu, pensava eu... Minha mãe, orando fervorosamente, para que Deus salvasse,  seu maior inimigo... São as lembranças, que naquele momento depressivo, me faziam companhia, dentro do quarto, ouvindo ele falar, coisas absurdas, para minha mãe, depois, de ter me dado uma surra, imerecida e bem planejada..

Depois de ter relembrado bastante aqueles momentos, arrastando as pontas dos dedos nas listras de minha rede, de cor desbotada, ouví, minha mãe lembrar algumas coisas, desconhecidas por mim, a meu pai...

"Naquele tempo, em que você quase morre daquele tiro,  fui arrebatada pelo Senhor, ele me falou e me mostrou coisas horríveis inclusive a morte de sua irmã... Você sabe, Lúcio, o quanto é triste o fim daqueles que servem apenas, pra caluniar os inocentes". 

Minhas lembranças, se confirmaram e pensei: realmente, isso aconteceu...

Eu não sabia o que era caluniar. Eu nunca tinha visto uma pessoa morta. Quando falei que meu pai iria morrer, se tocasse, em meu pequeno irmão, pensei nos frangos e galinhas que minha mãe matava, para nos alimentar, de vez em quando. Eu ainda não imaginava, que pessoas morriam.
Aqueles frangos, que minha mãe matava, em nossa presença, cortando o pescoço deles com a faca, me fez desejar, que o mesmo, acontecesse com meu pai. Meus irmãos até comemoravam.... Mãe, a galinha já morreu...

De meu quarto ouvi mais uma coisa muito assustadora. Meu pai ainda estava com ódio e começou a jogar na cara de minha mãe coisas absurdas que eu não entendia no entanto suas bestiais palavras só conseguiam, mais ainda, alimentar, minha fome de saber das coisas, e dos acontecidos...

Arrebatada pelo Senhor, é?
O filho que Ele lhe deu, pra você proteger,  pois é... um instrumento dele na terra?
Você acha mesmo que esse instrumento, vai prestar, Eloyde?
Você ficou, foi louca e continua doida, mulher.... acusava ele, a minha mãe, com palavras  odiosas e desejoso, de que todo mal que ele lançava de sua boca fosse uma realidade...
Você estava vendo demônios, até nos irmãos, mais corretos, da igreja. Eles não podiam olhar sua face. Você se assombrava com todos. Escondia os olhos com as mãos. Acusava as pessoas mais convertidas da congregação jogando os pecados de cada um em seus rostos.. uma louca querendo ser Deus... Você se denominou, Deus naqueles dias. Via demônios até no vento. Corria pelas ruas do Cajá, e, os cachorros todos corriam atrás de você... se aquilo fosse Deus você não tinha saído com o dedo quebrado. Olha aí em sua mão a marca da sua loucura. Você estava louca... Admita, mulher!

Meu Deus, pensei, com um peso no peito e um frio, expandiu- se, em meu estômago, parecendo ter me deixado, com um planeta todo girando dentro ... É isso, que é ficar louca?
Isso aconteceu com minha mãe? ela ficou louca....
O que significa isso?
São tantas coisas, que quero as respostas... Imaginava sozinho sem saber mais pra onde tinha ido tanto ódio que há poucos minutos, eu estava sentindo... em lugar do ódio restava milhares de indagações.

Eu não entendia, ainda, o que seria, um homossexual e nem mesmo, ainda eu sabia, o que era sexo, sexualidade ou relação sexual. Eu, ainda não conhecia, nem as palavras, usadas para falar, em relação, ao sexo. Em minha casa, nem palavrão, as pessoas, podiam falar. Eu não entendia, ainda, que meu pai percebia, e mesmo, eu sendo, tão criança, minhas maneiras, consideradas, homossexuais. Eu já era maltratado, por ele, e caluniado, pelo jeito homossexual, que eu  manifestava, inconscientemente. Ele protestava, com toda certeza, para minha mãe, que minhas regressões eram besteiras, mentiras e fruto maldoso, de minha imaginação homossexual....

Minha mãe, por diversas vezes tentava explicar o seu estado de loucura, mais só hoje entendo, pois passei pela mesma experiência apartir dos 30 anos de idade...

Minha mãe falou, na morte de uma, das irmãs, de meu pai supostamente, castigada por Deus. Isso ao invés de amedronta-lo, causava lhe mais ódio ainda.

Por que, Deus faria isso?
Gritou ele, com muito ódio...

Eu imaginava uma mulher, na  situação de uma galinha, depois, de ter o pescoço, esfolado, se debatendo, esticando as pernas, pra ver, se ainda, pode encontrar o fôlego, abrindo o bico, por minutos e desfalecendo, de vez, para sempre... Foi isso que aconteceu com ela?
Imaginava eu, a respeito, da morte de alguem.
A irmã de meu pai?
indaguei me, por muitos dias:
O que ela fez de tão grave...
Por que minha mãe, ficou louca... Por que, o filho que Deus deu para minha mãe, era tão imundo, aos olhos de meu pai?
O que essa criança seria, pra Deus matar, uma das irmãs de meu pai? 
Eu, não conseguia alcançar, esses acontecimentos e visualiza-los, na memória, mesmo, forçando a minha imaginação, para receber essas respostas, escondidas, pelo tempo e o silêncio de meus pais, para comigo...

Nunca mais falo o que penso pra ninguém...
eu prometia, a mim mesmo, a cada momento, em que, eu pensava, na surra que levei, naquele dia, apenas, por imaginar, e naquela discussão absurda, que meu pai e minha mãe, tiveram por causa, das coisas, que eu imaginava e falava...

Eu tinha 4 anos de idade.
Derrepente, um opala branco, parou, em frente, nossa casa e minha mãe saiu, de dentro, com um bebê, no colo.
Eu só via, os cabelos encaracolados, pela estremidade, do cuero, em que, ela estava embrulhada. Cuero é como conhecemos, na região em que morávamos:  lençol de bebês.
Era tão branquinha e com carinha de boneca que meu pai a tinha como seu maior tesouro. Era o seu xodó. Eu não sentia inveja, do fabuloso tratamento, que meu pai dispensava à garotinha, pois, por ele, eu jamais, almejei ser tratado, da mesma forma. Era a sua nona filha, Camilla... nasceu antes de eu levar aquela primeira surra.
Aos dois anos de idade, ela já tinha brincadeirinhas esnobes, e meu pai, gostava muito disso. Era a sua piadinha em forma de filhinha. Ele passava o dia sorrindo com ela e fazendo os outros sorrir...

Agora estava chegando mais uma menina. Depois de algus dias de sua premeditada barbárie, com o filho de sua rejeição, ele nos mandou todos para a calçada, de minha tia, quer era, nossa vizinha. A parteira chegou, entrou e ele fechou todas as portas e janelas da casa.

Saiam todos... Saiam todos... Dani, vá brincar com seus irmãos na calçada de sua tia. A dona Zeca fará o parto de sua mãe...

Enquanto tentávamos adivinhar alegremente, se seria menino, ou menina, Dani ficava tentando abrir as portas e as janelas procurando pelas brechas se via alguma coisa. Porém não ouvíamos nem barulho. O parto normal silencioso de minha mãe que sempre fora resistente a dores não demorou nada. Depois de mais ou menos meia horas esperando ele abriu a porta da frente na maior alegria do mundo...

Nasceu, nasceu... Venha ver a pretinha, irmã de vocês...

Falei baixinho, no ouvido de Ronaldo... Meu pai não gosta de mim porque penso e falo muito. Será se ele vai gostar dessa menina que é pretinha?
Cochichei com meu colega antes de meu pai falar que o bebê era uma menina pretinha.

Ao invés de me dá uma resposta ele me jogou mais uma pergunta assustado....

O que?

Nada. Vamos ver a nenê.... Chamei ele sorrindo juntamente com todos...

Todas as crianças da casa e da vizinhança que também aguardavam a novidade, juntos conosco, correram juntamente gritando, parecia mais, ter aberto o portão da escola, próximo de nossa casa, para ver, o recém nascido... Ou, a recém nascida...

Entramos no quarto e minha mãe exigiu silêncio de todos. Um bebê bem pretinho com olhos vivo redondo estava no fundo da rede... Nasceu mais uma... E os vizinhos começaram a chegar... Eita que agora são dez, d. Eloyde. Quando você vai parar mulher... A resposta de minha mãe sempre fora... Deus é que sabe...

Quem te falou, que a nenêm, era preta, se nós, ainda não tínhamos visto ela, Shum?

Eu tentei apenas, brincar com Ronaldo, e essa foi minha única explicação...

Eu só tentei brincar contigo, Ronaldo... eu apenas pensei que a criança nasceria  pretinha...

Ronaldo passou muitos dias falando para os outros coleguinhas que eu advinhava.

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⏰ Última atualização: May 18, 2018 ⏰

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