Estava muito satisfeito. Bom, talvez não fosse adequado, mas estava.
Estavam ali muitos. Tá bom, "muitos" é exagero, mas a maior parte dos que precisavam estar. Precisavam por cortesia, educação, talvez prazer ou até mesmo uma xexelenta de uma gratidão falsificada.
Eu devia admitir, o lugar estava muito bonito, talvez mais bonito do que qualquer festejo em comemoração de meu aniversário. Desbocado, eu contaria essa piada, bem ali, e ririam, bem ali. Talvez já o tivessem feito e eu não havia notado. Não importava muito.
Eu percebia no rosto de alguns o cansaço, tinham vindo de longe somente para aquilo. Coisa extraordinária, muitos eu não via há tempos não os via. Ficavam nas mesmas e repetitivas falácias: "ano que vem nós vamos" "assim que ser uma brecha no serviço". Não vinham.
Alguns não saíam de perto de mim, ficavam ali, era até agradável saber que alguém gostava de mim de um modo tão intenso, talvez devia ter retribuído de alguma forma: flores, carinhos, mimos, perfumes, amor... é, talvez devesse...
Outros apenas estavam de passagem, deram um aceno de cabeça, uma olhadela meio apressada e se foram.
Teve quem nem me conhecia, mas estava ali. Diziam coisas tão boas de mim para os presentes, era comovente, pareciam até ser verdadeiros. Pareciam.
Inevitavelmente, senti algumas faltas. Pessoas que eu poderia jurar de pé junto que estariam ali, sem sombra de dúvidas, mas nem sequer mandaram lembranças. Talvez tivessem uma festa melhor para ir... não vou negar , ali, a energia estava meio fraca. Não era uma coisa assim... muito animada.
De todo modo eu superei, quem sabe era até melhor que não fossem. Percebi que alguns não desejavam de modo algum estar ali. Olhavam para os relógios contando o tempo e as esposas os cutucavam para que disfarçassem, ou então os maridos lhes colocava a mão no ombro, para lembrar a cara de paisagem apropriada, mas eram máscaras muito malfeitas, não havia quem não percebesse e, entre as máscaras línguas, não havia quem não comentasse. Aí está outra coisa que eu achei bem caída.
Enfim, de acordo com todas as tradições, chegou a hora e fomos juntos para a nova casa. Houve quem ficou em silêncio, talvez já entojados daquela coisa toda, não os culpo, admito que eu também ficaria. Por sorte, os meus, aqueles que estavam ali pelo carinho e pelo bem querer por minha pessoa, não se mantiveram calados, de modo algum! Fiquei tão satisfeito com aquilo que não me importei com os demais, que se consumissem com suas caras azedas!
Por fim, havia chegado o momento. Me acomodei muito bem no novo lugar, era por demais adequado a mim, como que sob medida.
A iluminação não era muito boa, mas eu não gostava muito de claridade. Quanto a ventilação? Idem.
Quando lá dentro, fecharam a porta.
Algumas pessoas choraram, aquelas que gostavam de verdade desse que vos conta. Teve quem suspirou. De alívio, talvez? Sinceramente, não precisava deles mesmo, já iam tarde esses falsos! Os mais próximos demoraram para sair ali da entrada ao passo que muitos esperaram no estacionamento quase, não vendo a hora do fim daquele "teatro", mas não me deixei abalar, estava muito satisfeito, havia sido QUASE como eu sempre planejara...
É, realmente, se parar para pensar... Foi o melhor enterro que já me fizeram.
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Uma Pessoa de Cada Vez
Short StoryUma coleção de contos das pessoas comuns, não reais, mas que buscam te fazer entender a particularidade de cada situação, de cada sujeito, de cada cena...