Eis que o guerreiro se encontrava em campo, imponente. Nas mãos uma grande espada banhada em sangue e suas técnicas evoluídas, os inimigos tremiam ao vê-lo e recuavam para a segurança das torres de vigilância enquanto ele os insultava e os incitava a atacá-lo ansioso pelo combate.
Um a um vieram: primeiro a selvagem que o acertou com um grande porrete uma, duas, três vezes, porém, ele era mais rápido, enquanto ela só conseguia golpeá-lo uma vez, nesse mesmo tempo, dois dilacerantes cortes de espada já haviam sido gravados nela, pouco a pouco ela enfraqueceu e, vendo a derrota iminente, correu. Era tarde demais, ele era imparável, lendário, com um certeiro golpe nas costas a fez cair de joelhos, humilhada com a face ao chão.
Aproveitando-se do recente embate, do cansaço do guerreiro, eis que surge um terrível monstro, pronto a devorá-lo com armadura e tudo. Mas o soldado era mais forte do que aparentava, rápido, desviou do ataque com um salto, rolou e se pôs de pé, determinado. Avançou como se em sua frente estivesse não mais que um cachorro desaforado e atrevido que havia avançado, um, dois, três golpes, e já estava no chão mais um dos malfeitores, como se não fosse trabalho para ele, como se não cansasse, seu nome carregava história e, agora, em suas mãos ele trazia escrito em sangue sua heroica saga na defesa da luz.
Mas em uma batalha, não existem sorrisos. Em uma guerra, apenas uma batalha vencida não significa uma vitória real. Em uma armadilha traiçoeira, eis que surge um mago atrevido e um arqueiro desleal, traiçoeiros, um de cada lado, o atacaram. Desnorteado pelos golpes, confuso sem saber em quem mirar o fio da espada, gritou pelo seu exército, a equipe valorosa que o devia acompanhar, mas foi em vão, tão rápido quanto surgiram, mago e arqueiro o finalizaram à sangue frio, de forma desleal e sem honra, enquanto caía os viu comemorarem o fim de sua vida.
Exaltado gritou e esbravejou com aqueles que se diziam seus, sua equipe seus aliados que não vieram em seu socorro, covardes, inertes, idiotas, não conseguia descrever como se sentia de tamanha que era a dor de sua morte e de tamanho era o desapontamento com seus companheiros, sem saber de que outra forma se expressar, digitou: "TIME NOOOOOVBB". Foi dessa mesa forma, em caixa alta e sem se preocupar com os erros, enraivecido, fechou o notebook. Tirou os fones e se levantou do banco da praça de alimentação, guardou o computador na mochila e aproveitou para pegar a carteira, deu sua última golada do milk-shake, mesmo que sua mãe sempre lhe falava que era esse tipo de comida que lhe causava espinhas. "Mas é tão gostoso, não vou parar!", era tudo que sabia responder pra ela.
Caminhou até o balcão enquanto colocava para tocar no seu celular a sua playlist favorita, pagou o lanche e a bebida, olhou para o relógio de neon que estava pendurado no teto do shopping: 22:00. Seu ônibus passava às 22:30 e o ponto era longe dali, resolveu se apressar.
No ônibus ele se deliciava lendo as histórias feitas por fãs no site do jogo, inventando de formas mirabolantes as origens dos heróis. Em seu perfil, cujo ele achava incrível ele criava a do seu guerreiro, MegaMestre55.
Segundo ele, o seu herói tinha nascido na batalha contra os demônios da névoa negra, que havia tomado tudo no reino antes da criação dos heróis, a sua vila havia sido a única ilesa, imaculada, por isso, os celestiais o haviam escolhido para defender a luz na batalha contra as trevas.
Ele deslizava o dedo por sobre os comentários, orgulhoso pela sua história heróica e grandiosa, todos o ovacionavam, ele era um rei, um mestre, não, melhor ainda, ele era o MegaMestre55. Porém eis que ele encontra um comentário muito claro: "Mano, que lixo". Sem pestanejar, respondeu à altura: "Block". Assim iniciou uma grande discussão, à qual ele foi o último a falar, o outro não lhe respondeu, havia ganhado. Mais uma vitória para o histórico do Mestre.
Desceu do transporte, torceu para que seu vizinho, um babaca que sempre lhe enchia o saco, não estivesse na frene de casa. Não estava. Entrou sem mais problemas e no horário que sua mãe lhe tinha pedido. Bebeu leite quente com canela para dormir, comeu biscoitos e escovou os dentes, ficou na internet pelo celular, com seu perfil fake onde ele tinha a foto de um personagem qualquer dos jogos, discutindo ferrenhamente qual herói venceria uma batalha entre todos os universos das HQs e dos mangás. Depois dormiu, planejando o que faria no dia seguinte; provavelmente jogaria até tarde, comeria um lanche, voltaria para casa, ficaria na internet e repetiria, repetiria, repetiria, repetiria... E seria feliz./!/?
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Uma Pessoa de Cada Vez
Short StoryUma coleção de contos das pessoas comuns, não reais, mas que buscam te fazer entender a particularidade de cada situação, de cada sujeito, de cada cena...