Eis que numa manhã, atormentado com seus sonhos estranhos, decide ir à um psicólogo.
Não eram coisas muito fora do comum, mas aparentavam premonições de que tudo que faria daria errado, desde a sua entrevista de emprego até o arroz que faria no jantar. Sabotagens que ele preparava para si.
─ Ora, meu caro, isso não é raro... quando ficamos ansiosos, sob muito estresse, nosso inconsciente acaba tomando isso pra si e gravando nos sonhos.
─ Mas Doutor, como eu faço para que isso acabe? Estou ficando muito mal. Desanima o meu dia logo de manhãzinha!
Depois de ponderar um pouco, o Doutor lhe sugeriu que escrevesse um diário, colocasse todo o planejamento do dia seguinte antes de dormir, e também, como procedeu tudo ao final do mesmo. Confiando nele, assim fez.
Realmente, a técnica o tinha ajudado, era até prazeroso escrever naquele caderno e, o que era tratamento, acabou por se tornar um hobby. Tudo que fazia colocava no diário, desde as anotações mais importantes, como apresentações nas quais fora, mágoas com amigos e também alegrias e divertimentos com eles; até os fatos mais bobos: as ruas pelas quais passava, os pratos que lhe serviam de almoço, quando pisava em um chiclete na calçada, enfim, tudo!
Assim se seguia a rotina: planejava, escrevia, vivia, anotava, planejava de novo, escrevia... quase metodicamente. Já havia se tornado seu ritual particular, sua fuga da realidade, aguardada durante todo o dia.
Até que em determinado momento, em seu marasmo, acabou por encontrar um diário publicado. Leu. Gostou. Se inspirou e resolveu fazer o mesmo.
Em casa, empunhou seu caderno, já meio surrado e grosso do uso, queria averiguar o material, certo de ter em mão uma peça de qualidade rara.
Leu a primeira página, a segunda, mais três após esta, não conseguiu prosseguir, era horrível. Como poderia ter uma vida tão medíocre? Dias todos igualmente chatos, fúteis. O que tinha em mãos não era o esperado ganhador do Nobel, aquilo em suas mãos era um saco.
Pensando na falta de emoção de seu dia a dia, tomou uma decisão: nada de escrever sobre qualquer coisa, seu diário seria épico, nele só estariam fatos relevantes de sua vida!
Dito e feito, naquela semana não lotou as folhas como de costume, mas escreveu sobre a festa de aniversário que tinha ido no sábado, festa muito boa por sinal. Naquele mês escreveu umas dez vezes, vários relatos das festas incríveis que ia, suas visitas ao bar e sobre as gandaias com os amigos, uma realidade que, para ele, não podia ser mais emocionante.
Passado o tempo, resolveu avaliar novamente o seu diário, estava certo de ter um líder de vendas pronto para lhe render milhões de fãs. Pegou seu caderno surrado, abriu, leu, mas, quando ele chegou à terceira página, arremessou-o contra a parede.
─ Continua uma bosta! É tudo igual.
Revoltado, rabiscou um bilhete e o colou em sua escrivaninha. A partir daquele dia, só escreveria o que fosse emocionante de verdade, nada de histórias de bebedeiras comuns ou de saideiras quaisquer, mas algo que realmente valesse o tempo gasto na leitura.
Então, mudando novamente a rotina, seguiu rumo ao estrelato.
O caderno se abriu uma vez... duas vezes durante todo o ano. Depois, digamos apenas que os sonhos voltaram a atormentá-lo. Não foi mais ao psicólogo.
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Uma Pessoa de Cada Vez
Kısa HikayeUma coleção de contos das pessoas comuns, não reais, mas que buscam te fazer entender a particularidade de cada situação, de cada sujeito, de cada cena...