Capítulo 2

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Olho para cima e vejo que o sol continua forte e a ventania é fraca, e ainda é possível ouvir os animais que estão por ali. A movimentação da aguá era bem pequena também, por mais que eu consiga ouvir com clareza. Havia uma cigarra a direita, seu canto era alto. Apesar do barulho do bosque, entre eu e ela, o silencio estava constrangedor. Eu não soube responder logo de cara a fala dela, eu precisava digerir corretamente. O que ela ganha me contando sobre a tal organização? Por que ela mudou de atitude assim? Eu certamente não estou compreendendo. Tudo bem, ela viu o meu poder, mas isso não é o suficiente para contar algo de extrema importância. 

- Organização? Como assim? - me viro para ela, que se senta na minha frente. 

- Sim, uma organização. Como você deve saber, o governo declarou que é contra lei organizações "não oficiais", ou seja, sem que eles aprovem a causa da organização e as pessoas que estão nela, depois de claramente cobrar uma taxa altíssima. Mas nós somos contra eles. Artems é uma organização criada com intuito de mostrar o poder que nós temos. Queremos derrubar o sistema e mostrar que a Coréia é um lugar para todos, não só dos nobres! - ela se empolga, deixando bem claro seu odio pelo nosso "presidente".

- Okay, uma organização contra o governo. Mas como vocês conseguem as armas de vocês? Eles só entregam para os homens nobres na capital. - lembro-me do pessoal da vila comentando sobre isso, que nós da vila não precisamos de armas de fogo para nada, o que é obviamente mentira.

- Eu sei, mas nós temos os nossos contatos. Além das armas, temos a tecnologia ao nosso lado. Nós conseguimos ter mais do que os oficiais militares. 

- Mas por que estás a me contar sobre isso? Você sabe que eu poderia ir na policia e dar queixa, né? - questiono, mesmo sabendo que eu nunca faria isso. 

- Eu sei que não o faria. E eu estou lhe contando isso pois eu quero que você entre. Eu sei que você não sabe lutar, nem controlar seus poderes. Mas existem pessoas lá que podem lhe treinar! Eu acabei de falar com elas, e elas me permitiram lhe convidar. - ela termina e recebe um olhar surpreso de minha parte.

Eu? Ela mesmo disse que sabe que não sei lutar! Tudo bem que a ideia me atraí, mas eu não quero ter que ser um estorvo. Mas ela me parece bem séria sobre isso. Nosso sistema é bem intolerante e preconceituoso. Pondero um pouco sobre a ideia e vejo que não é muito ruim. Mas existem muitos riscos.

- Eu posso pensar sobre mais um pouco? - seu sorriso se abre de forma instantânea. 

- Claro bebê. Tenho que ir agora, mas se decidir ir, me encontre na taberna do Sr. Junghoo até sexta feira - ela diz se levantando e me limito a apenas balançar minha cabeça em confirmação.

Respiro fundo e viro para o lago novamente, tudo aconteceu muito rápido. Uma hora eu estou fugindo de um homem cujo a cabeça foi perfurada e depois fui convidado para uma organização que nunca ouvi falar. Um barulho estranho sai do lago e atraí minha atenção, um peixe bem colorido. Levanto-me e passo a mão pela minha blusa antes branca, agora marrom, na intenção de tentar limpar, o que obviamente não adianta. Vou em direção ao sul, onde fica minha casa.

Como será a organização? Eu nunca vi algo com uma tecnologia avançada. Será que eu vou mesmo ser treinado? O que eles querem fazer contra o governo? Eles sabem de algo mais profundo? Vale a pena correr o risco? Todas essas questões ficam rondando minha cabeça, mas eu não tenho a resposta para nenhuma delas. 

{₪₪}

Ao chegar em casa, me deparo com minha mãe na sua usual saia longa e blusa branca, com os fios ruivos presos. Meu pai estava com um copo de cerveja na mão e o rádio ligado, sentado na mesa. Meu irmão provavelmente estava na escola. Antes que eu consiga subir as escadas para ir ao meu quarto, minha mãe me chama: 

- Jimin, ajeite o quarto do seu irmão, depois lave a roupa suja. - diz com um tom de voz duro, como sempre é quando direcionado a mim. 

Troco a roupa que estava usando por uma de moletom e passo a mão no cabelo, já pegando o cesto de roupa suja e indo em direção ao quarto de Yugyeom, que é três vezes maior que o meu. A arrumação daquele quarto é sempre demorada, mas não tanto quanto lavar toda roupa daquela casa. Meus pés ainda doem, tenho que fazer um curativo nele, mas se eu parar agora minha mãe ficaria brava. Termino de arrumar o quarto e vou até os fundos, onde fica o tanque e começo a lavar as roupas. 

Minha relação com eles não é muito boa. Na verdade, é péssima. Eu me sinto a tecla quebrada do piano, e realmente machuca pensar sobre. A maior tristeza que carrego é essa, a tristeza de nunca ter sido amado verdadeiramente por pessoas que deviriam me amar pelo que sou.

Mas acho que só o fato de ter nascido com um poder diferente do deles, ou melhor dizendo oposto do deles, é razão o suficiente para me tornar a aberração, o indesejado e o que não tem direito a nada.

As vezes eu me pergunto se, por acaso, eu posso chamar esta casa de lar. Mas não, eu não posso. Lar é lugar onde sentimos conforto, segurança, pertença e calma. É onde podemos respirar mesmo com a garganta fechada de tristeza.

Porém, aqui é onde minha tristeza faz morada e eu só sinto vontade de correr pra bem longe e nunca mais voltar. Mas enquanto não posso fazer isso, eu só rezo desesperadamente para que o futuro seja melhor.

{₪₪}

Encaixo confortavelmente a ametista em minha mão direita e fecho os olhos, relaxando e me concentrado o máximo. O vento que entra no quarto é fino, e a temperatura começa a descer. O barulho do grilo é alto, o som da coruja é um pouco mais distante, mas ainda é perceptível. Ás árvores se mexem minimamente, e ainda é possível ouvir a conversa entre meus pais e minha irmã. Imagino minha mente começar a girar em espiral, indo em direção ao cristal em minha mão. Minha mente não é mais nada.

Não sei por quanto tempo continuo assim, mas voltei a mim quando ouvi a porta do quarto de Yugyeom bater. Guardo o cristal e me ajeito para dormir, agora bem menos ansiosa. Eu comecei a meditar para servir de ajuda com minha magia, mas nunca funcionou. O lado bom é que me acalma. O vento continuava fino, e os barulhos altos. Meu quarto não estava mais tão abafado, e consigo me sentir melhor agora.

Ouço a voz do meu irmão no quarto ao lado, falando algo sobre um garoto. Dizendo que não desistiria até consegui-lo, o que me faz sentir um pouco de pena dele. Meu irmão não aceita ouvir "não", já que minha mãe sempre deu tudo o que ele quer. E se ele diz que quer tal coisa, ele ganha tal coisa. Mas ao pensar nisso, me deu uma vontade enorme de parabeniza-lo por ter negado o "reizinho do fogo", palavras da minha mãe, coisa que nunca aconteceu. 

- Ele é meu par perfeito! O Ar aumenta o fogo! Eu sou forte e ele também, viu? Nada mais perfeito. - ele diz, com toda certeza imaginando até as flores que serão usadas no casamento. Tenho certeza de que papai não sabe nada da preferência sexual dele, papai é um eterno homofóbico e esse seu ódio foi a causa de meu dentinho torto e uma cicatriz em minhas costas.

Porém, ainda é errado achar que encontrará o par perfeito pela magia, afinal o ar aumenta o fogo, mas também pode apaga-lo. 

ᴄᴏʟᴅ · ᴊᴊᴋ + ᴘᴊᴍOnde histórias criam vida. Descubra agora