Enquanto escrevia seu minucioso texto sobre a 2ª Grande Guerra, Thiago não conseguia parar de pensar nos estranhos fatos que marcaram aquele dia. Seria possível ele ter finalmente encontrado uma semelhante? E por que os céus a colocariam tão perto dele? Perguntas que assolavam sua cabeça, com certeza. Mas resolvera não refletir mais sobre aquilo, se ela realmente fosse um anjo enviado com as mesmas funções, então ele seria o último a interferir em decisões divinas. Tudo ocorreria bem, seria bom apenas tomar certas precauções sobre... tudo. Se em sua sala de aula existia mais uma anunciante da morte, ele deveria ou não manter um contato concreto com a garota?
Fechou o caderno com o texto incompleto e apanhou a caixa que recebera naquela tarde. Abriu e novamente conferiu o dinheiro que recebia todo mês para continuar sua estadia na Terra. Ele entendia que não era muito, afinal, lá em cima eles ainda mantinham uma filosofia um tanto quanto "humilde" de se levar a vida. Ou a eternidade, no caso. Mas diferente de outros anjos de sua mesma casta, Dhaaro tinha um pensamento um pouco mais humano. Se afeiçoava com facilidade a eles e fazia de tudo para se tornar mais parecido, o que não era bem visto por seus superiores. Guardava ao longo de todos esses anos uma boa quantia da moeda local, a sua famosa economia emergencial, como assim gostava de chamar.
Já perto das dez da noite, ajeitou todo o material, preparou a cama e apanhou sua roupa de dormir amarela junto da pantufa tigresa. Conferiu se o banheiro da casa estava desocupado e colocou-se a caminho do banho, passando pela sala onde Dona Leila assistia a televisão em volumes astronômicos. Passou também pelo quarto roxo onde pode conferir, pela porta entreaberta, Samanta comendo seus sagrados morangos enquanto assistia a um dramático seriado de vampiros no computador.
Após o rápido banho e devidamente vestido, passou novamente pelo corredor com um aroma de campo que o seguia desde a ducha. "Boa noite Dona Leila, durma bem." Disse. "Boa noite meu querido, sonhe com anjos." Respondeu ela sem desgrudar os olhos da televisão. Caminhou lentamente pela porta roxa e soltou um "Boa noite." E ela nada respondeu, como de costume. Embora ele não soubesse que em todas as noites ela corava suas bochechas em vez de tomar coragem para responder a famosa frase feita. Thiago então entrou em seu quarto, fechou a porta e apagou a luz, fazendo com que a única iluminação de seu quarto partisse de uma fresta minúscula que vinha da rua e refletia em sua pequena ampulheta repousada no criado mudo.
*
A chuva fortíssima acordou a casa pouco antes do horário de costume. A rua estava a pouco de ficar inundada, então já não se podia perder tempo, não seria a primeira vez que os moradores da Rua das Acácias passavam pela experiência de ter sua própria ilha particular. O problema além das rajadas intensa seria a falta de um bom guarda-chuva para a viagem. Thiago, prevenido como quase sempre, estava armado com um belo exemplar preto de quase um metro de comprimento. Pouco além, depois de arrumado e com a mochila no ombro, colocou o primeiro pé em direção ao colégio quando ouviu uma voz ao fundo o chamando. Ainda de rolos no cabelo amarelado e uma camisola florida surrada, a senhora vinha ao seu encontro com certo ar preocupado.
- Meu querido, será que a Samantinha teria como ir com você pra escola hoje? A avoada não me esquece onde enfiou o guarda-chuva? E com essa chuvarada tenho medo de ela pegar um resfriado e ficar doentinha, tadinha. - Falou em um tom preocupado.
- Claro, Dona Leila, sem problemas. Ela já está pronta? – Continuou.
Com o rosto tão vermelho quanto seus próprios morangos, a garota saiu pelo corredor, quase como se estivesse esperando sua deixa, e passou pela mãe dando um rápido beijo de despedida. "Vão com cuidado e boa aula." Acenando e pronta para voltar a sua cama.
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Além dos Cinco
FantasyThiago Avern, mais conhecido nos céus como Dhaaro, divide seu tempo na terra entre a vida cotidiana de um garoto adolescente e seu real propósito, ser um anjo anunciador da morte. Mesmo levando sua função tranquilamente bem, o jovem sente um desequi...