O prelúdio da penumbra I

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 I

"Nada é mais repugnante do que a maioria, pois ela compõe-se de uns poucos antecessores enérgicos; velhacos que se acomodam; de fracos, que se assimilam, e da massa que vai atrás de rastros, sem nem de longe saber o que quer."

― Johann Goethe


– Brathair16!

A voz aguda atrás de si, o assustou, atrapalhou-se em esconder rapidamente o que acabara de roubar em um buraco que fizera no canto do estábulo, onde o cavalo de um viajante descansava.

– Elsea! Você quase me matou. – Tentou em vão uma voz de reprimenda, enquanto dava a volta no cavalo para encontra-la sorrindo.

Faltava-lhe um dos dentes da frente, suas tranças cor caramelo desciam desordenadas até os ombros e seu vestido verde com amarras marrons arrastava no chão. Ela o observou com aqueles grandes olhos castanhos, desconfiada, Ronn lhe devolveu o olhar.

De repente, ela arregalou os olhos e se aproximou, olhando por sobre o ombro antes de pôr uma pequenina mão sobre a boca e sussurrar para ele. Ronn imediatamente se abaixou para ficar na mesma altura de seu diminuto rosto, seu vestido estava manchado de ferrugem e farinha, com certeza havia roubado algo da cozinha, de novo.

Ela fazia por ele na maioria das vezes, o que por sua vez, fazia com que ele se sentisse culpado, ainda que não pudesse negar o que ela lhe havia roubado, não quando seu estômago vazio o delatava, não quando isso faria com que o esforço e a dedicação dela tivessem sido em vão.

– O que min brathair está fazendo pode enfurecer daidí17? – Ela deu um risinho brincalhão e se aproximou ainda mais.

Parecia que seus atos duvidosos a divertiam, o que o fazia sentir um misto de orgulho, com a sensação de que era o pior irmão do mundo e apenas por ser um bastardo, era quase certo que o fosse.

– Eu juro por Freya18 não contar a ninguém. – Continuou ela.

Ronn estendeu os braços e Elsea pulou em cima dele, ela cheirava a abetos e pão. Ele sussurrou em seu ouvido, verificando se alguém estava vindo.

– Sabe as estórias que ouvimos dos bardos, Elsea? – Ela animadamente agitou a cabeça. – Em breve eu estarei lhe contando a melhor delas.

Ela riu e o apertou com mais força, não precisava dizer a ela que não contasse nada, Elsea era a única que jamais trairia sua confiança, jamais o decepcionaria.

Franziu o cenho e sufocou a dor aguda em seu peito, ao decorrer das semanas havia se acostumado a ela ou havia aprendido a sufoca-la melhor.

– ELSEA! – O grito vindo da taberna fez Elsea solta-lo, ela lhe deu um beijo na bochecha, lhe entregou um pão preto redondo, ainda morno e saiu correndo.

Ronn partiu o pão e escondeu suas partes em diferentes bolsos escondidos em sua roupa, aprendeu a fazer isso para que não apanhassem tudo o que tinha de uma só vez, caso fosse pego.

Passou as horas seguintes cuidando de suas tarefas e tão logo esteve livre, saiu dos estábulos e seguiu a mesma trilha que vinha fazendo há dias, restavam somente mais alguns itens para que conseguisse tudo o que precisava.

Havia aguçado seus ouvidos, circulando o mercado dois dias atrás e obtivera a informação de onde conseguiria o próximo. Sorriu e entrou em uma rua lateral, correndo nas sombras para não chamar a atenção daqueles dentro das casas, cuja luz das velas lhe dava o necessário para seguir rapidamente.

Quando a noite virava madrugada, Ronn encontrava-se escondido na sombra de uma torre baixa, acima do local onde os espadachins treinavam, estava suado e seus joelhos e palmas sangravam um pouco pelos arranhões, não esperava que fosse fácil, mas também não esperava que o homem tivesse o sono tão leve, mal havia dado tempo de escalar as paredes antes de se jogar de uma altura considerável, para evitar ser visto.

O Despertar da SombraOnde histórias criam vida. Descubra agora