Bloqueio

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Tudo começou em uma daquelas lembranças sobre a vida. Sentada no Bosque da Barra. No começo de um Domingo. Estava só.
Não somente pela presença de Deus, nem o canto dos pássaros. Eu estava deitada em uma canga azul com um pequeno furo na lateral. Presente que ganhei a algum tempo. Surrado e manchado.
Como eu.
Só tínhamos nós. E um sentimento.
Está só foi uma escolha difícil. Eu tentei de inúmeras maneiras estar com alguém. Fiz o possível. Socializei. Até mesmo fui na festa da minha prima pra me enturmar. Não deu. Não porque havia algo errado. Ou certo. Havia eu e meu bloqueio. Agente que me impede de fluir as coisas. Não é que eu não queira estar ali. É que ali e em outros lugares, eu me sentia só. Os meus pensamentos me levaram a pensar que havia algo errado comigo. Como se eu não me encaixasse  a este ou aquele lugar. Eu não estava mais aonde eu queria estar. Tudo me sufoca.
O ar. Meu quarto. Parece que os retratos das minhas lembranças não fazem mais parte de mim. E sim de alguém que queria se encaixar. Como se eu estivesse a espera de uma porta na qual somente eu pudesse abrir. Bloqueio.
Me volto para o parque e vejo pássaros sobrevoando o céu. Intenso. Azul. Incompreensível. Misterioso. O voo durou horas. Minutos. Já nem sei mais quanto tempo se passou. Era uma leitura, um suco e alguns biscoitos. Era apenas uma atividade normal. Tédio. Não por estar entediada com o local. Nem mesmo porque o senhor deixou cair livros da sua bolsa. Ou porque não finalizei meu objetivo.
As crianças me esbarram com uma bola.
Reconheço.
No tempo de criança quando ainda tinha vontade de recomeçar e ainda a maldade não tinha me alcançado.  As tardes da semana que eu esperava ansiosamente para poder jogar e correr. Era tudo o que eu queria. Ia pra escola pulando e conversando com alguém que me entendia.
Volto.
As horas são rápidas pra quem pensa e lentas pra quem só se deixar levar.
Preciso ir embora. Mas ainda não é a minha hora. Preciso terminar o trecho do livro branco. Sem título.
Sem nome. Apenas Prólogo.
Foi assim que eu o encontrei. No sebo. O dono se recusou a me vender. Para ele não tinha serventia. Pra mim era um achado.
Agradeci pelo esforço de tentar me vender algo melhor. Mas eu estava buscando apenas algo que me tocasse. Sem grandes nomes, nem mesmo algo conhecido. Eu queria algo que chegasse a me tocasse tão profundo quanto Deus o estivesse mandando pra mim.
  - Senhora, vamos fechar daqui a 10 minutos. - tocou-me o homem da segurança.
Não era Deus ainda. Ou era. Só que me avisando para continuar meu caminho. Havia chegado o fim da tarde. E ao começo da minha estrada até minha casa. Um longo caminho que irei levando comigo apenas minha mente, uma tanga, meus óculos e os restos de frutas que eu trouxe.
Estava com tudo. Menos fome. Talvez devesse dar a algum morador de rua. Tudo na vida flui. Coisas vem e vão. Não podemos prender as coisas que não nos serve. Não há finalidade pra mim. Porém pode ser a loteria de outra pessoa.

Continua...

Do Preto e Branco ao (Aprendendo A Ver) ColoridoOnde histórias criam vida. Descubra agora