Capítulo I

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Tudo o que mais queria era poder chegar em casa e deitar no tapete da sala. Sabia que Chico, o seu Pug, não a deixaria descansar, obrigando-a a acariciá-lo assim que colocasse os pés dentro de casa.

— Ao menos estarei sem essas botas que estão acabando com os meus dedos. — pensou alto, sorrindo antecipadamente em apenas imaginar o momento. Thaynara não conseguia se adaptar a sapatos de saltos altos e sua alternativa eram as botas, as quais ela tinha aos montes dentro do seu guarda-roupa, de todos os modelos e cores. Sentia-se feliz pela peça valorizar suas pernas e os clientes gostarem, mas não havia uma confortável o suficiente para não lhe causar dor depois de uma longa noite.

Enquanto caminhava em passos largos pela calçada de uma das estreitas ruas do seu bairro, a bela mulher via aos poucos o céu mudar do azul escuro da madrugada para o tom claro das primeiras horas da manhã, igual à cor da peruca longa que ela usava naquele dia. Sabia que logo as donas de casa caretas abririam suas portas e sairiam de seus lares moralistas, fosse para um dia de trabalho ou para simplesmente varrer a frente de suas residências e tomar conta da vida dos vizinhos, enquanto ela acabara de encerrar o seu expediente e rumava para um dia de descanso. Ao menos, era o que esperava!

A casa onde morava era boa para a periferia de Fortaleza. E por boa, Thaynara considerava o valor que pagava pelo aluguel do local e o tamanho que acomodava com conforto ela e suas outras três amigas. Aliás, com o dinheiro que as quatro ganhavam com os programas durante a noite não tinha como pagarem mais do que aquilo!

Já fazia três anos que moravam naquele lugar, ou melhor dizendo, desde que Thaynara aceitou dividir a casa com outras pessoas. Desde pequena, tinha problemas em confiar nos outros e isso fez com que sempre preferisse viver sozinha, com exceção de Chico. Mas à medida que suas companheiras de trabalho foram ultrapassando as barreiras que a mantinha afastada de relações e tornaram-se amigas, a jovem sentiu que conseguiria sobreviver com aquelas três debaixo do mesmo teto e a vida tornou-se um pouco mais fácil e feliz depois disso.

Thaynara abriu o portão e em seguida a porta de entrada da casa o mais silenciosamente que conseguiu, não queria acordar as amigas, principalmente Paloma, que virava o próprio diabo quando alguém perturbava o seu sono, o que lhe rendera o apelido de Satambira, segundo Thaynara. Quando entrou foi direto para cozinha pegar alguma coisa para comer e contentou-se com um pedaço de bolo, esquecido na geladeira há alguns dias. Chico logo quis a sua parte, não restando muito para a mulher comer por fim.

— Monstrinho guloso! — falou em tom amável para o cachorro enquanto seguia com ele no braço até a sala. No cômodo, sentou-se no tapete e fez o que tanto desejava, tirou as botas jogando-as longe e esticou as pernas, mexendo os dedos dos pés tentando aliviá-los da pressão da noite. Em seguida, tirou a peruca azul, colocando-a sobre o sofá mais próximo com cuidado! Depois das botas, as perucas coloridas eram seu segundo vício e, além de lhe conferirem uma aparência diferente na noite, o que atraía a atenção de alguns clientes, ainda ajudava a preservar sua verdadeira identidade. Quando estava com as perucas ela era Aurora, mas quando as retirava, era simplesmente Thaynara, a mulher de vinte e quatro anos, órfã desde os sete, que apenas queria viver um dia após o outro.

Deitada ali, ela adormeceu enquanto acariciava Chico, sem sequer tirar as lentes de contato, e teve um sonho. A princípio lhe pareceu uma lembrança de um programa que já havia feito. Como sempre, o começo seguiu o roteiro padrão onde um cliente, dessa vez uma mulher, estacionou o carro próximo de onde Thaynara, naquela noite com uma peruca cor de rosa, aguardava com suas amigas. Enquanto a cliente abaixava o vidro do carro, ela e as outras três decidiam de quem era a vez! Elas mantinham uma parceria bem justa, fazendo assim com que nenhuma acabasse apertada com as contas no fim do mês. Naquele caso, no entanto, a decisão de quem iria atender a cliente ficou somente entre Thaynara e Amanda, pois somente as duas faziam programas com mulheres também. Paloma e Roberta limitavam-se aos clientes homens, o que na opinião de Thaynara era uma grande besteira e perda de dinheiro.

Aurora - Poder de Sangue - Vol. IOnde histórias criam vida. Descubra agora