Capítulo 3

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- Você não perde tempo mesmo, que orgulho! - Allegra gritou da sala de jantar assim que ouviu a porta da frente bater.

- Está me espionando agora? - Isa perguntou, tirando a sapatilha e colocando a bolsa em cima do aparador, acrescentando - Cadê você?

- Sala de jantar - a outra gritou em resposta.

Quando abriu as portas duplas da sala de jantar, Isadora viu uma cena comum para ela e para Allegra, mas completamente estranha para qualquer outra pessoa.

Dois modelos completamente nus estavam parados em cima de um pequeno palco de madeira e Allegra pintava o que chamava de "natureza viva". A amiga usava apenas um vestido de verão e seu cabelo loiro estava preso em um coque mal feito; grandes óculos de grau cobriam os olhos claros e deixavam suas caretas de concentração ainda mais estranhas.

- Alice, Agnelo - Isa cumprimentou os dois, que só piscaram para ela. A pintora não gostava quando eles se mexiam.

- Eu vi vocês chegando pela varanda - Allegra disse.

- A gente não estava superatrasada? - Isa ironizou, sentando-se em uma das cadeiras espalhadas pela sala.

- Eu fico pronta em 10 minutos e você em duas horas - ela respondeu sem tirar os olhos da tela.

Era bem verdade. Allegra olhava para seu closet e conseguia escolher vestido, sapato e bolsa em impressionantes 10 minutos. Isa olhava para seu guarda-roupa e provava tudo até cansar e ter certeza de que estava sem roupa. Aí então ela gritava enlouquecida, dizendo que não iria a lugar algum.

- Acho bom você começar o seu ritual. Desse jeito não teremos tempo para o seu ataque de "estou sem roupa" - Allegra acrescentou.

- Cala a boca! - ela disse se levantando - Ciao - disse para os modelos que, novamente, só piscaram para ela.

Andou pelo grande corredor de piso de madeira e entrou na segunda porta a esquerda. Seu quarto, seu santuário.

Nenhum dos quartos seguia a decoração do resto do apartamento, que era minimalista (com poucos móveis) e completamente branco. A parede atrás da cama de colunas do quarto de Isa era pintada de um vermelho vivo e intenso; o piso era de madeira escura e um tapete marroquino cobria boa parta dele. Seu guarda-roupa e escrivaninha também eram de madeira e com adornos de símbolos que Isa não reconheceu. Pendurados nas paredes, quadros de deuses hindus, mais símbolos irreconhecíveis e cristo na cruz.

Quem entrava ali pela primeira vez, logo pensava que Isa era praticamente de alguma seita ou completamente apaixonada por cultura religiosa. Mas ela não era.

Na verdade, logo que chegou ao apartamento, aquele quarto era usado para as meditações de Allegra e, portanto, era decorado do jeito que ela achava que um quarto de meditações deveria ser. Isa até tentou dizer que tapete marroquino e deuses hindus não tinham relação alguma, mas era divertido ouvir a amiga citar seu shaman e argumentar com toda a convicção do mundo que "todas as religiões devem se encontrar para a paz interior do praticamente".

Cada um com as suas loucuras.

Allegra foi generosa demais e disse que Isa poderia redecorar o quarto da maneira que quisesse, mas ela não quis, não pretendia ficar ali por muito tempo. Só comprou uma cama e assim ele ficou pelos primeiros quatro meses, até Allegra se irritar com o fato de Isa ainda deixar suas roupas na mala e comprar um guarda-roupa e uma escrivaninha que combinassem com a decoração. Foi assim que o quarto virou seu santuário, uma lembrança constante de como era grata à melhor amiga e a simpatia que acabou tendo pelos deuses hindus, pelos símbolos e por cristo na cruz.

Duas Vezes em RomaOnde histórias criam vida. Descubra agora