4. Lux

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ㅤㅤ Naquela frígida manhã de outono, Lux enfrentava uma luta entre se concentrar nos últimos minutos da aula do Sr. Pope e em desenhar delicadas orquídeas em seu caderno. À medida que reproduzia algumas pétalas naquele papel branco, notava a sua falta de aptidão em desenhar. Seu traço muito desaguisado transformava sua obra em uma manobra esguia no meio de um caos.

ㅤㅤ Amassou a folha e tentou escrever algo, mas a cada palavra disposta era como se Lux se afastasse de todos daquela sala e de qualquer narrativa pessoal. Seu texto — mesmo escrito na primeira pessoa — era praticamente impessoal. Escrevia com maestria, mas repleta de sentenças apáticas e sem nenhum pingo de emoção.

ㅤㅤ Talvez fossem as palavras escolhidas.

ㅤㅤ No momento, não conseguia se expressar desenhando e nem escrevendo. O que era uma pena, desde que era uma das coisas que fazia com sublimidade. Era como uma redoma que a protegesse agora de se expressar sobre qualquer sentimento. Preferia escrever sobre os pássaros que observara desfazendo de seus ninhos ou do comércio local que incrementou o acervo com a venda de miniaturas de globos que a lembrava de uma viagem a Denver do último verão. Quando conseguia chegar em pautas mais românticas, descrevia a vida noturna dos vagalumes da sua cidade.

ㅤㅤ Achava estranho eles tomarem conta da cidade quando as folhas secas das florestas locais caem no outono. Adaptação é a única coisa que vinha em sua mente. A parte positiva de ser um inseto é que você nunca terá conflitos internos ao se adaptar. Adaptar faz parte da luta pela sobrevivência. Com os humanos também funciona assim, mas estamos constantemente predestinados a ter receios e hesitações que nos assombram nesse processo. Receios e hesitações advindas de memórias do passado, que por acaso são bagagens que quase nunca são extraviadas.

  ㅤㅤ Fechou o caderno de uma vez por todas. O Sr. Pope escrevia alguma atividade no quadro enquanto seus colegas copiavam em seus cadernos. A sala tinha, em média, trinta estudantes. Boa parte deles morava na cidade de Bristol, ainda que alguns morarem em cidades vizinhas. O ensino da Bristol High School era sinal de excelência, o que fazia muitas pessoas se deslocarem para aquela cidade atrás de uma única vaga. 

ㅤㅤ O ensino médio faz parte de um ciclo da vida que pode ser um tanto assustador como incrível. Cada um tem inúmeras histórias para contar e muitas delas são envolvendo pessoas que gostariam de matar e de outras que preferem jamais esquecer. No final das contas, tudo que é guardado são as boas lembranças, aquelas que fazem apertar seus corações como se fosse uma pequena bola de gude. 

ㅤㅤ No final dessa fase também era quando a coordenadora de ensino, a Sra. Rodriguez, chamava todos os veteranos para uma conversa sobre seus futuros e seus desempenhos nos últimos anos em seu escritório particular. Ela era uma mulher alta, gorda e de bochechas rosadas que passava a maior parte do seu tempo conversando com os alunos e tentando propagar a paz.

ㅤㅤ — Eu queria falar sobre a queda da suas notas nos últimos exames. Aconteceu alguma coisa?

ㅤㅤ Lux pairou sobre a mesa da Sra. Rodriguez. Observou os portas retratos e as miniaturas de cactos dispostas como decoração do ambiente.

ㅤㅤ — Nada aconteceu.

ㅤㅤ — Tem certeza?

ㅤㅤ — Eu estou ótima, Sra. Rodriguez. Isso não é indicio de uma depressão ou algo do tipo. Pensar isso seria um desserviço social.

ㅤㅤ — Não era minha intenção te irritar.

ㅤㅤ — Eu não estou irritada.

ㅤㅤ — Conversei com alguns professores seus e tomamos a brilhante ideia de te colocar na administração dos preparativos da viagem dos veteranos a Estrasburgo. Esse cargo irá te dar alguns pontos extras em algumas matérias e te dar a oportunidade de reaproximar novamente de seus colegas.

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